Capítulo 44

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Eu vou fazer Jeff morrer com honra. Vou falsificar quantas cartas forem necessárias para fazer Ophelia acreditar que Jeff morreu lutando bravamente, como o herói de cavalo branco que ele era para ela deve perecer, se é que é realmente mortal.

Eu tenho um plano, um plano terrível, um plano digno de uma mente sem escrúpulos como a minha, mas é o que tenho que fazer. É minha obrigação moral, sinto muito.

Primeira parte do plano. Fazer Jeff melhorar e sair desse hospital. Ele estava doente e muito ferido. Ele, eu e Ophelia sabíamos disso. Então ele não pode saltar da cama de repente. Ele também não pode melhorar lentamente demais, não quero prolongar essa dor mais do que posso evitar. E acima de tudo, Jeff precisa de um motivo para melhorar. A foto pode ajudar, mas quero mais alguma coisa que seja como um milagre e o sustente de pé.

O que vou fazer, assim que ele melhorar, manda-lo de volta as trincheiras, é terrível, mas já me convenci que Jeff não pode simplesmente morrer no hospital.

A caneta treme na minha mão, pairando em cima da folha de papel em branco, tenho medo de que uma gota de tinta caía no papel, o manche e estrague tudo, mas tenho ainda mais medo de tocar a caneta no papel e lentamente escrever Querida Ophelia, pois sei que mais do que um estarei selando dois destinos, e não tenho nada nem perto desse poder.

Enquanto hesito, minha cabeça cria os piores cenários, ilustrando praticamente todos os meus pesadelos em um segundo. Cada paranoia que me ocorre é como um soco no estomago. Estou sendo espancado pela minha consciência, mas sei que se for fazer isso, estarei apenas dando mais força a suas pancadas. Talvez seja o que eu quero, voltar a sentir alguma coisa nessa vida. Quero ser saco de pancadas para emoções, para coisas reais, tudo que sinto é falso, artificial, não vem de pessoas reais, não vem de acontecimentos espetaculares. E fazendo isso que é, possivelmente, a pior coisa que já fiz na vida eu esteja apenas arranjando algo para sentir nem que seja remorso. Eu quero me sentir vivo, e até o torturador mais temido está vivo, mas não eu. Quero sentir algo, nem que seja medo por ter arruinado uma vida. Não quero causar dor, mas a dor quer que eu seja seu catalisador. Talvez até começar a sentir, mas temo que será demais. Sou como o batedor de carteiras que decide que quer ser verdadeiramente rico e entra no Banco Central com uma faca achando que vou sair milionário.

Cada pergunta que pipoca na minha mente é um segundo a mais parado ali, fitando o papel em branco, como se ele fosse um fantasma, quando na verdade o fantasma será meu personagem a partir de agora, por mais ruim que isso soe.

Como vou explicar minha caligrafia? Como vou saber o que Jeff diria diante de alguma situação? Como vou responder a alguma pergunta pessoal eventual? Não sei quem é Jeff. Esse é o problema. Não é como se estivesse me passando por um irmão gêmeo com o qual convivi a vida toda e sei todos os segredos. Estou me passando por uma pessoa que mal conheço, mas que precisa ser crível o bastante para enganar a própria noiva. Fazer isso é ainda mais difícil do que criar um personagem do zero, com o qual posso rechear com memórias falsas e traumas inventados.

Jeff é uma pessoa. Tem um passado, não tem presente e seu futuro está nas minhas mãos.

A caneta toca no papel e o arrependimento cria raízes invisíveis no meu coração.

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