Jeff,
Dessa vez você me pegou. Não sei dizer quem é você, assim como não consigo dizer quem eu sou, ou o que é o mundo. Tudo que me cerca tem um pouco de você. Olho para a chaleira apitando no fogão e lembro do último chá que tomamos juntos. Olho para a panela no armário e lembro que foi nela que fiz sopa quando você adoeceu. Tudo ao meu redor é o mundo e é você ao mesmo tempo. Não sei quão claro isso pode ser.
Mas se você precisa se conhecer, acho que tem que lembrar de onde veio e o que isso representa no que você é agora e onde está nesse momento. Não sei como ajudar, então lhe escreverei o que sei sobre você, sua história anterior a mim e comigo.
Bom, você nasceu dia vinte e cinco de março de 1885. Viveu a vida toda com a família, pais e dois irmãos em uma fazenda pequena em Shewsbury. Foi um garoto tranquilo e trabalhador. Cresceu e nos conhecemos, caímos de amor um pelo outro, nos mudamos prometendo nos casar e viver felizes para sempre como nos contos de fadas.
Não sei como isso vai ajudar, nem se isso foi como deveria ser, mas é isso que você é para mim. Um príncipe encantado. Uma fortaleza de pé ao meu lado. Onde posso escorar a cabeça e chorar quando nada está bem, ou sobre atrás das muralhas das quais posso me esconder se tudo estiver ainda pior. Você é meu porto seguro, sinto que sem você na minha vida eu seria outra pessoa, você me mostrou que não devo deixar nada nem ninguém se interpor no meu caminho. Você é uma pessoa sincera e carinhosa e me passou um pouco desses seus valores, dos quais eu obviamente sou muito grata, cada dia mais inclusive.
Você me ensinou a valorizar a família, mesmo que a minha tenha sido uma bagunça só, a vida inteira e me mostrou que me cercar de boas pessoas me torna uma pessoa melhor. As vezes sinto que não sou boa o bastante para você. Deveria ser mais bonita e mais inteligente, mas então lembro o que me disse quando estávamos no meio da viagem da mudança:
–Querida, eu confio tanto em você, tanto em nós dois, que se o caminhão furar um pneu, é mais fácil nós dois levarmos os móveis nas costas até Leicester do que esperar um mecânico.
Eu não sou uma princesa, nem pareço com uma, mas você é o príncipe que decidiu que eu seria sua. Então me deu o castelo que eu sempre sonhei e apesar de roupas normais, você me via de vestido todo santo dia.
Claro que eu não sou médica e não sei como isso pode ajudar ou atrapalhar na sua recuperação, mas quero que sabia que você é um pedaço de mim do qual não consigo mais viver sem. Muitos casais parecem viver como se fossem gêmeos siameses e só dividem o que tem dois. Cada um é um pulmão, cada um é um rim, cada um é um braço ou uma perna. Funcionam melhor juntos, mas conseguem se virar sozinhos. Nosso caso eu acho que é mais profundo, mais preocupante. Nos tornamos um só com o tempo. Dividimos o mesmo coração, o mesmo cérebro, o mesmo estomago, separados começamos a morrer. Sua dor é minha dor, minha felicidade é sua felicidade. Por isso tudo é tão intenso. Quando nos mudávamos, completando um sonho, eu estava no céu e via que nos seus olhos você também estava. Agora, você ferido, eu sinto que minha pele dói como a sua queimada e dia após dia fica mais difícil levantar da cama, não porque fui atingida por gás mostarda alemão no campo de batalha. Pois sei que uma parte de mim está ferida e longe.
Ophelia.
19 novembro de 1917.
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O Revisor
Historical FictionA guerra é cruel com os homens. Tira deles o que é mais precioso. E não devolve nunca mais. Cada um tem sua preciosidade, e não importa qual seja, a guerra é capaz de pega-la, amassa-la e destruí-la como se fosse nada. Uma história de amor entre um...