Capítulo 28

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Coitado do Jeff.

Me levanto do sofá, pensando que estou cada vez mais imerso nas cartas desses dois. As vezes eles me soam como uma história escrita por alguém muito terrível.

Já estou em casa, mas essa história continua a pipocar na minha mente. Ando até a janela tropeçando na mesinha de centro, baixa, ela tem a altura precisa para me acertar na canela. Os livros empilhados sobre ela despencam para o lado, bagunçando os papeis e por pouco não derrubando minha tinta. As folhas onde escrevo no final dessa noite estão espalhadas por ali. Na verdade, não escrevo de verdade. Anoto, são frases perdidas e tumultuosas, que refletem o que penso naquela hora e nada mais. Tiro os óculos de leitura e jogo sobre a mesa da cozinha. Ando até a janela do apartamento. Esfrego os olhos com a parte de trás da mão, pois meus dedos estão sujos de tinta. A luz elétrica cansa meus olhos, passo o dia vendo letras pequenas no papel. Lendo ou escrevendo sem parar, sem parar, sem parar.

A cidade parece morta pela minha janela, em uma letargia sonolenta, vejo Londres se arrastando contra o céu escuro, os prédios mais altos fazem cosquinha nas nuvens de cerração que estão baixas a essa hora da noite já. Não garoa como costuma fazer no outono de doze meses da capital inglesa. A maioria das pessoas reclamam, eu, particularmente gosto bastante. As gotículas pequenas e em constante queda tem um efeito calmante. Um guarda-chuva e um pouco de pressa resolvem basicamente meu problema, mas se quero me molhar um minuto desprotegido me molha até a alma. É um tempo caprichoso, mas bonito, tem seu charme, que soa enjoativo para a maioria das pessoas. Hoje, porém, depois da cerração o céu está limpo. A lua minguante é tímida, não parece querer ofuscar as estrelas tão brilhantes, por isso se reduz a um semicírculo fininho. Não sei que horas são e também não me importo, poderia saber, ao longe um sino toca, contando suas badaladas saberia que hora é, mas não o faço. Horas são coisas inúteis. O tempo passa de qualquer forma, de que vale saber quanto dele já passou ou quanto ainda falta, até porque essa conta não aparece nos relógios ou nas badaladas, a não ser que você considere as mais lentas que marcam o fim.

Me volto para dentro de casa. Meu apartamento alugado é pequeno e escuro na maior parte do tempo. A janela que estou é a única com alguma vista. As outras dão de cara com paredes de outros prédios que fazem sombra a maior parte do tempo. Ele é frio e impessoal, mas não me importo, acho divertido na verdade, reflete um pouco de mim. A sala se liga a cozinha que vai até o quarto e o banheiro fica no corredor. Simples, pequeno e genérico. Volto a pensar em Jeff e Ophelia.

O tanto de coisa que Jeff passa nessa guerra, e sua princesa desamparada aqui na Inglaterra aguardando que ele apareça em um cavalo branco para leva-la para o lugar dos seus sonhos.

Mas são tantos golpes que se seguem nessa história. Eu no lugar de qualquer um dos dois teria desabado, mentalmente destruído. Essa guerra tirou muita coisa de muita gente. Muita gente perdeu família e sua morada. Jeff por exemplo perdeu um irmão, e um amigo está perdido em algum lugar desse imenso continente. Além disso, claro não me deixe esquecer, sua amada está longe, distante esperando por ele ansiosa.

Não consigo me colocar nessa posição nem em sonho. Tudo que eles passaram e agora esse golpe. Pelo que ele mesmo disse, Jeff está muito ferido. Temo que ele não se recupere rápido, mas do fundo do coração rezo para que ele melhore.

Quando comecei a revisar cartas me disseram para não me deixar envolver pelas histórias, mas o que esses dois têm é diferente de tudo que já vi ou senti. É verdadeiro e real, não é algo falso, fictício, que as pessoas acreditam por causa da sua própria convicção e conforto, isso é vivo, doloroso e acima de tudo lindo...

Agora estou em casa. No rádio dizem que essa guerra está redesenhando mapas inteiros. A Rússia abandonou os Aliados ocupada demais com suas próprias guerras e revoluções internas.

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