Capítulo 1

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Ophelia,

Desculpe-me. Sei que comecei do pior jeito possível. Peço perdão. A guerra vai ser ainda pior do que eu imaginava. Saí de casa e consegui quebrar a primeira das minhas promessas. Escrever-lhe todo dia. Não é simples e não é fácil. Estamos acostumados com um mundo pequeno. Eu, você, nossa casinha, a casa do vizinho. O horizonte é literalmente inalcançável. Somos pessoas simples e me orgulho disso. Mas aqui... amor, aqui tudo é grandioso. Tudo é enorme. Importante, incomensuravelmente valioso. Todos têm pressa, mesmo que façam parecer que tudo está eternamente atrasado. Quando estamos juntos, não temos hora e isso é muito bom, não sabia o quanto até ter a noção do que está acontecendo aqui.

Minha promessa de lhe escrever todos os dias se quebrou, e eu sinto muito, mas espero que entenda que fiz de tudo, a logística de entregar uma carta, porém, para essas pessoas é grandiosa. E temos o problema mais óbvio desde o início. Eu não sei escrever, ou ler. E tive que procurar alguém que o fizesse para mim. Graças aos céus, a letra que você está lendo aí, minha garota esperta, é do Tim. Tim Laveki. Um companheiro de viagem. Um irmão de armas como dizem por aqui. Ele veio lá de Bristol, no norte da Inglaterra. É um rapaz alto, cinco anos mais novo que eu, e com a pele escura. Magro e de sorriso fácil. A cabeça raspada.

Somos bons amigos, eu e Tim. Ele me entende e está sorrindo embaraçado enquanto escreve as palavras que o descrevem para você. Diga olá, Tim.

Bem, olá, Ophelia. Jeff me falou muito de você. É um prazer escrever por ele, e espero que perdoe a caligrafia, estou escrevendo rápido.

Mas o que ele diz é verdade, Ophelia querida, falei muito de você para ele. No trem. Como você bem sabe saí de Leicester com os ônibus até Manchester, foi onde conheci Tim, dali partimos de trem até Londres. Nos alistamos, tirando uma foto e preenchendo uma ficha em uma "base de alistamento" perto da estação ferroviária. O flash da foto me cegou por uns dez segundos. Foi engraçado.

Depois fomos para uma área mais afastada. Um quartel. Grande, se estendia até onde a vista pode alcançar. Ali recebemos algo que se pode chamar de treinamento. Aprendemos que não importa o que esteja acontecendo as ordens dos comandantes não podem ser negligenciadas. Recebemos uniformes cinzentos e puídos, muito finos para a possibilidade de frio que os próximos meses trazem. Além disso ganhamos rifles de repetição e nos ensinaram a maneja-los. Carregar, erguer, mirar e atirar enquanto esconde o resto do corpo. Não é muito difícil e as balas com cartuchos se cravavam nos bonecos de papelão com facilidade, apesar de eu achar que na guerra de verdade quando o inimigo for uma pessoa se movendo rapidamente as coisas não pareçam tão simples. Os oficiais que estavam em volta viviam dizendo que a guerra se tornara fácil com as balas de cartuchos. Diziam que antes tinham que atirar com pólvora e balas de chumbinho. Lembro que na fazenda meu pai tinha uma dessas armas e já a usei para caçar coelhos. Realmente a guerra devia ser mais difícil com uma dessas. Primeiro que carregar a arma leva uma eternidade e precisava de muito cuidado e esforço para colocar precisamente a pólvora, senão vai ser sua cara que explodirá. Depois que as balas de chumbinho tinham vida própria e iam para onde queriam, sem voar em uma trajetória que nem ao menos lembrava uma reta.

Então dois dias atrás tomamos um barco que nos levou até a França. Tim é um bom rapaz. Vários anos mais novo que eu. Não sei como estão deixando pessoas tão jovens se juntarem a guerra hoje em dia. Serão uma geração perdida, esses pobres garotos. Bem, Tim também não é da cidade grande e nos demos bem desde o início.

Estou aqui. Oficialmente lutando pela Inglaterra, na França. Os franceses são tão engraçados como nós sempre imaginamos. Andando de um lado para o outro com o peito estufado como se fossem pombos, se achando o máximo. Isso que nós nem estamos em Paris ainda.

Eu tenho que me apressar agora, minha flor, os oficiais deixaram que todos que quisessem escrever para suas mulheres o fizessem e aqui estou eu. Amanhã partiremos para a parte realmente atingida pela guerra e antes do fim da semana devemos entrar no front, e lutar. Confesso que isso me deixa um pouco assustado, mas prometo me manter firme por você, querida.

Jeff.

19 de outubro de 1916.

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