O Pária

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As unhas pontiagudas furavam a pele, um pequeno filete de sangue escorria e descia lentamente delineando o contorno do braço. Seus olhos eram dois oceanos, cheios de culpa, luxuria e mesmo assim ainda era coberto pela podridão.

‘’—Você não precisa fazer isso! Você NÃO TEM que fazer isso. ’’

 A garganta coçou e um pequeno sorriso brotou em seus lábios, era impossível não se divertir com a situação.

‘’— Você tem razão, eu não tenho que fazer isso. Eu quero fazer isso. Eu deveria ter feito isso há muito tempo. ‘’

O cheiro era nauseante e insuportável.

A parede velha e mofada continuava do mesmo jeito que estava há cinco minutos, embolorada e verde. O cheiro continuava o mesmo de algumas horas atrás, fedia a mijo, excremento e bolor. A torneira continuava pingando da mesma maneira que pingava há algumas semanas. O lugar era o mesmo cubículo imundo e deprimente de dez anos atrás, e nada tinha mudado. Nem mesmo o homem que esteve habitando o local.

Exceto o fato que essa era a ultima vez que ele teria que ficar preso nesse lugar esquecido por Deus, ele sabia que logo aquelas celas pesadas de metal enferrujado iriam se abrir e ele estaria alguns passos de ser o que? Liberdade era uma palavra muito vaga, ninguém era livre para fazer o que bem entendesse e ele sabia muito bem disso. Apenas alguns passos de ser mais um rato solto e perdido na grande roda que continuava a girar conhecida como ‘sociedade’.

Há quanto tempo ele estava encarando aquela parede escura, manchada, embolorada, fétida e descascada? Ele não sabia dizer se eram minutos, horas, dias ou semanas. Deus... Se fossem semanas, seus olhos ardiam e coçavam, deveriam ser semanas, pois ele nem se lembrava do que era dormir, do que ter uma boa noite de sono deitado em um colchão decente e não uma porcaria de uma montanha de jornais amassados fedorentos, enrolado em um pano cheio de piolhos que tinham a audácia de chamar ‘cama’. Um pensamento passou por sua cabeça, há quanto tempo ele não sentia o calor de uma mulher? Deitar-se com um corpo quente se aninhando ao seu, o cheiro de estrogênio que só as mulheres tinham a pele macia encostando delicadamente no seu peito, os cabelos macios e cheirosos, ele nem sabia mais que gosto uma mulher tinha. Ele nem sabia mais como era estar dentro de uma mulher e por sorte também não sabia como era estar dentro de um homem, em tempos desesperados pessoas tomam atitudes desesperadas, mas ele não era esse tipo de pessoa não tinha chegado á esse ponto, esse lugar era um inferno, mas o segredo era manter a cabeça erguida e tentar conservar um pouco de dignidade que ainda restasse dentro de si, fazer esse tipo de coisa seria o fim da picada.

E a merda do tempo continuava congelada, as horas não passavam, e se passavam ele nem tinha como contar, pois o acesso a um relógio fora negado há anos, aqueles malditos filhos da puta não queriam que você tivesse contato com qualquer resquício do mundo normal, e contar as horas era um privilegio que fora revogado para pessoas como ele. Apenas para se lembrar que dentro deste pedaço de merda você não é um ser humano, você perdeu sua identidade, você não passa de uma estatística, de um páreo.  Você é apenas um número.

—405673! Levante a sua bunda preguiçosa daí! Vamos nós não temos o dia todo, ou tá querendo ficar mais um pouco ai?— A voz era forte como um trovão e vinha do outro lado da cela.

O homem piscou os olhos, aquilo era real? Finalmente a hora tão esperada tinha chegado?

—Hey princesa, não me faça falar de novo, se você não levantar logo daí eu vou entrar nessa porra de cela e meter um chute tão forte nesse seu par de bolas, que elas vão sair pela sua goela maldita na hora do café da manhã! ANDA SE MEXA!— O sotaque sulista e cuspido era perceptível.

PutrefyOnde histórias criam vida. Descubra agora