"No quinto dia os insetos e outros vermes que rastejavam a haviam encontrado. O cheiro era fétido e adocicado. Ele já não sabia mais o que fazer com os sentimentos confusos, repulsa, desejo e tristeza. Precisava dar um basta nisso, sair e encontrar a luz. Fechou os olhos e inspirou profundamente. Foi até a cozinha e pegou o cutelo."
20 anos atrás
Ela andava na pontinha dos pés, quando ela puxou as cobertas e desceu da cama e os pés quentes tocaram o chão frio, sentiu suas pernas tremerem. Apesar dos pés descalços ela estava completamente vestida a caráter. Uma saia de brim desfiado que combinava com a camisa xadrez e o cinturão dourado que tinha comprado na tarde anterior em um brechó. Não queria levantar muitas suspeitas comprando acessórios em uma loja de grife exorbitante. No momento em que usasse o cartão de crédito ele saberia e tudo estaria acabado...
Olhou para o relógio e era 23h55min e em menos de quinze minutos sua carona iria passar para pegá-la, portanto se quisesse chegar á tempo teria que se apressar. Naquela noite a moça tinha ido dormir cedo lá pelas nove, o seu horário habitual para não levantar nenhum tipo de suspeitas pela casa. Ás 22h30min ela já ouvira os roncos vindos do quarto ao lado, então isso significava que ela estava segura. Acordou silenciosamente se trocou e voltou para a cama, apenas por precaução, se algum deles resolvesse fazer alguma visita noturna para ver se estava tudo bem.
Pegou a bolsa que estava na cadeira ao lado da cama e as botas de cano alto brancas, as vestiria quando estivesse bem longe da casa, e de eventuais ouvidos atentos que pudessem ouvir qualquer toc toc dos saltos. Agora vinha a parte mais difícil: sair do quarto, descer as escadas, atravessar a sala e dar o fora.
Com muito cuidado virou a maçaneta, com a delicadeza de uma criança, exceto que ela não era nenhuma criança. Amélia Von-John já tinha 16 anos e era grande o suficiente para sair sozinha, o pai querendo ou não.
Assim que encostou delicadamente a porta ela se voltou para o corredor, á noite ele parecia estar cada vez mais longo e estreito. Sentia-se uma ladra procurando a saída depois de roubar todas as jóias da família.
"Um passo de cada vez, apenas um passo de cada vez e você está quase lá" ela continuava repetindo esse mantra para si mesma enquanto descia de lado as escadas, se caísse seria o fim. Os pais acordariam e iriam ver o que estava acontecendo, ou algum dos seguranças iriam até lá correndo. Não teria como explicar o que estava fazendo toda vestida para sair estatelada no chão.
"Pessoal eu sonâmbula! Gosto de me arrumar e vagar pela casa a noite! Ok vocês me descobriram" isso com certeza não iria colar muito.
Finalmente chegou a sala, sentiu o suor escorrer pela testa e as pernas tremulas. Era certinha e careta demais para fazer esse tipo de coisa. Não era de seu comportamento, porém estava cansada de ficar trancada em casa como uma boneca de porcelana chinesa que precisava ser protegida a qualquer custo! Queria viver a vida, experimentar novas coisas e experiências e não passar as noites dormindo confortavelmente em sua luxuosa cama, para o diabo seu pai que não a deixava fazer nada!
Quando seus pés tocaram o último degrau ela sentiu-se mais aliviada, Amélia sabia que faltava pouco para sentir a brisa gelada da liberdade. Era apenas uma noite de diversão inocente, que mal poderia haver nisso?
Com passos de bailaria a jovem chegou até a porta, quando colocou a chave na fechadura ouviu um 'click'. Seu coração pulou uma batida e logo sentiu uma eminente onda de terror subir pela barriga. Virou-se lentamente para trás e a luz do abajur estava acesa. Sentado confortavelmente em uma poltrona de couro estava seu pai com um livro nas mãos. Ele a fitou por cima dos grossos óculos de aros escuros.
—A onde pensa quem vai? —Ele disse calmamente.
Ela estava estarrecida, mil e uma desculpas passaram por sua cabeça, mas tudo o que Amélia conseguia fazer era balbuciar frases desconexas e sem nenhum sentido. Nenhuma resposta poderia a salvar. Droga! Estava tão perto de provar a liberdade.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Putrefy
Mystery / ThrillerO mau não é criado, você nasce com ele. Cherry Pie é uma ambiciosa striper com um passado negro e algumas idéias erradas na cabeça, alguns dizem que ela é a personificação de um anjo, outros juram que ela tem um buraco negro no lugar da alma. Quand...