A Cruz

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Sete anos atrás...

—Desça já aqui! — Ela gritava com a voz rouca e esganiçada.

Sua voz era um tormento, seu grito interno era uma suplica que ninguém poderia ouvir. Correu pelo pequeno quarto e se escondeu embaixo da cama. Ali estaria protegida de todo o mal.

A voz abafada ecoava por trás da porta.

—Não me faça falar de novo, venha já aqui! — O timbre estava ecoando cada vez mais longe, era quase como se não existisse. Se ela fechasse os olhos e rezasse ao bom Deus tudo isso iria acabar, e não iria existir de verdade.

Ela podia ouvir com o pequeno rosto colado no assoalho gelado de madeira os sons do andar debaixo da casa, ouvia os passos desconcertados da mulher, conseguia sentir que ela estava ficando sem paciência. Oh não! Ela fica muito brava quando sua paciência vai embora...

—Olha eu não se porque ela está se comportando assim hoje, deve ser a mudança do tempo, o senhor sabe como essas coisas podem afetar. — A voz vinha por entre os vãos da madeira, ela podia sentir o pequeno riso sem graça e constrangido no tom dela.

—Você conversou com ela? — Agora ela ouvia uma segunda voz, era aguda como um trovão era pesada e carregada. Não era uma voz gentil tampouco suave, era grossa e fazia com que seu corpo liberasse calafrios da cabeça até os pequeninos dedos dos pés. Se o mal tivesse voz seria assim.

—Eu venho falando com ela faz tempo, não sei porque ela tá com essas graças. EU NÃO VOU FALAR DE NOVO, DESÇA LOGO DAÍ E SEJA UMA MENINA BOAZINHA! VENHA FALAR OLÁ! — A voz feminina era estridente enquanto a mulher gritava.

Fechou os olhos com força e agarrou a pequena boneca encardida de pano, ela era feita com retalhos de roupas velhas e cheirava a bolor, fora um presente de sua avó. Ela a amava com todo o seu pequeno coração. Apertou os olhos com tamanha força que via pequenos pontos luminosos no escuro, como as estrelas que subiam no céu todas as noites, pequeninas e brilhantes, dançando na sua frente, convidando-a para brincar. Se ficasse bem quietinha iriam se esquecer que ela estava ali. Iriam ignorar sua presença.

—CARMEN! PARE DE FAZER BIRRA, SE VOCÊ NÃO SAIR DESSA PORCARIA DE QUARTO AGORA, EU VOU SUBIR AI E BATER TANTO EM VOCÊ QUE SUA BUNDA VAI ENTRAR PRA DENTRO! Desculpe-me por isso, eu realmente não sei por que ela está assim hoje, geralmente ela não é assim...

—Veja bem, a senhora tinha me dito coisas tão boas dela, espero não ter me enganado.

—Não! Tudo o que eu disse pro senhor era verdade, eu não menti. Ela não é assim! QUE DROGA CARMEN MOVA SEU TRASEIRO PRA CÁ AGORA! Oh meu Deus, não sei por que ela me faz passar essa vergonha, eu faço de tudo por essa menina.

As vozes se silenciaram, eles deviam estar conversando sobre alguma coisa de adultos sem importância, logo eles esqueceriam que ela estava ali, oh sim, logo eles nem iriam lembrar que ela estava lá.

—Logo ela se cansa de ser insolente e vem aqui. Er... então o senhor quer mais café?

—Oh sim claro eu adoraria, se me permite dizer nunca tomei um café tão bom quanto esse.

—Oh não diga isso, não é nada de mais, mas, que bom que o senhor gostou.

Viu? Eles se entreteram em suas conversas adultas e se esqueceram da menina embaixo da cama, ninguém mais iria se lembrar que ela estava lá...

—Estou sentindo um cheiro maravilhoso, o que é isso?

—Oh, é minha torta de cereja, ela está quase pronta, a Carmen adora essa receita, é a preferida dela, assim que eu a servir com um pouco de sorvete de creme ela vai descer correndo daquele quarto, eu posso garantir isso ao senhor.

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