Os olhos eram dois riscos negros borrados. Sem uma figura fixa para observar, apenas riscos gigantes como um desenho animado. A boca estava ligeiramente curvada para baixo.
—Você não pode fazer isso comigo! Você precisa ter piedade de mim! — Um resquício de voz podia ser ouvido como um zumbido de uma mosca morta. Parecia que a mosca havia entrado no seu ouvido.
—Não me diga o que eu devo fazer! Cale a sua boca imunda. — Ele tentava dizer com as palavras agarradas à garganta que teimavam para serem pronunciadas.
—Você não pode calar aquilo que está dentro da sua cabeça...
Ele aproximou-se dos lábios pálidos e enfraquecidos para um ultimo beijo. Sentiu os olhos ficarem úmidos e a boca amarga. O ultimo beijo fora há tanto tempo que ele nem se lembrava mais de como era, ou havia sido há pouco alguns minutos atrás? O tempo era um ciclo confuso e sem fim.
O cheiro continuava nauseante e insuportável.
*** ******* ***
Oito horas atrás...
Com as pernas trêmulas ele cambaleou para fora do caminhão com dificuldades. Não conseguia mais governar o seu próprio corpo. Não conseguia conduzir a si próprio, talvez ter tomado a garrafa velha de whisky que tinha encontrado no porta luvas não tenha sido uma boa idéia.
Após anos trancafiado, assim que tornou a sentir o gosto do álcool na língua foi como provar um veneno pela primeira vez, não sabia distinguir a sensação de torpor da realidade, apenas sabia que a cada gole sentia a garganta arranhar e ficar cada vez mais seca, como se seus pulmões arfassem para sentir o liquido quente escorrendo por ambos. Como se seu paladar ficasse apenas mais aguçado com a ajuda do maldito liquido. Ele não se lembrava mais como era beber, mas tudo o que queria era tomar um porre.
Fora um erro ter ajudado aquela mulher. Não fazia nem um mês que tinha voltado a sentir o sol tocar sua pele, que James ‘Rey’ Furnier tinha voltado a se meter em problemas. Era como se tudo fosse um imã gigante para confusão. Aquela garota o estava atraindo para a beirada do precipício e tudo o que ele podia fazer era seguir em frente com um sorriso na cara.
Porque diabos tinha aceitado ajudá-la a... Pelo amor de Deus! Dar cabo no corpo de outro homem? Já tinha passado tempo suficiente preso por um erro cometido no passado e parecia que estava querendo voltar para dentro da prisão de novo. Dançando na boca do perigo, fazendo a escolha errada. E se achassem o maldito corpo eviscerado e inchado, e em algum lugar um minúsculo fio de cabelo seu tivesse caído, ele já tinha visto essas merdas na televisão. Pessoas que cometem o crime quase perfeito e são denunciadas por si próprias, deixando evidencias estúpidas a onde não deveriam estar. Se uma gotícula de saliva ou suor tivesse caído naquele maldito gordo morto ele estaria fodido. Se colhessem impressões digitais encontrariam uma porção sua pelo corpo do cara que ele arrastou para dentro do pântano, se ao menos tivesse usado uma luvas...
Rey já estava visualizando todo o circo armado, os policiais encontrando o corpo boiando no meio do pântano, uma pericia levando a sua digital, que chegaria a alguma merda de banco de dados que os tiras têm e como ele era uma pessoa com um passado fichado não demoraria muito para levar a porra toda até ele. Sentia o coração pulsar só de imaginar sendo algemado e jogado na traseira do carro, tudo de novo... A humilhação, as luzes vermelhas e azuis do carro policial refletindo na sua cara deitada na viatura enquanto o algemavam. Não podia passar por isso de novo.
Isso não era o pior, e se aquela menina, a stripper falasse que ele matou o cara, ninguém nunca iria desconfiar de um belo par de peitos e um rostinho angelical, todos iriam apontar os dedos (e as armas) primeiramente pro sujeito que cheira a bebida barata e cigarros, com um chapéu de cowboy velho e um bigode sem piscar duas vezes. Antes que pudesse abrir a boca para se defender seria jogado de novo no xadrez. E ela sairia ilesa. Fora um erro enorme ter ajudado aquela moça, pelo amor de Deus ele nem a conhecia direito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Putrefy
Mystery / ThrillerO mau não é criado, você nasce com ele. Cherry Pie é uma ambiciosa striper com um passado negro e algumas idéias erradas na cabeça, alguns dizem que ela é a personificação de um anjo, outros juram que ela tem um buraco negro no lugar da alma. Quand...