‘’—Existem duas coisas que você precisa saber minha filha... —Ela começou a frase dessa maneira enquanto escovava os cabelos cor de cobre da garota. — Se quer se dar bem nessa vida, escute com muita atenção e grave bem estas palavras: A primeira coisa que você tem que saber é que você vai precisar fazer muito coisa que não vai ser do seu agrado e enquanto tiver que fazer isso terá que fechar os olhos e pensar em um ponto de escape.
—Um ponto do que? —A menina a interrompeu.
—Pensar em algo que você goste, por exemplo, do que você gosta? De ir à igreja?
—Não! —Ela sentiu um leve tremor subir pela perna. —Disso não. Eu gosto de ir até o parque e tomar um sorvete.
A mãe a olhou ternamente, um olhar maternal estranho com algo escuro dentro dos olhos.
—Muito bem esse é seu ponto de escape, seja o que for que esteja acontecendo lembre-se do seu ponto de escape e ignore o que esteja fazendo assim eu te garanto que você não sentira... Nada. A outra coisa que você precisa saber é que tem o poder e só precisa saber como usá-lo. Á seu favor é claro.
—Eu tenho? — A garotinha não sabia o que a mãe queria dizer com isso.
—Tem sim. E sabe onde fica? —A menina balançou a cabeça. —Fica bem no meio das suas pernas. Lembre-se não há nada mais contagioso que o mal.’’
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O quarto estava escuro e abafado, um pequeno lance de luz escapava pelos buracos da cortina na janela. Fora isso tudo estava ausente da presença de luz. Não era verão, ainda era outono e apesar de Louisiana ser sempre extremamente quente o quarto parecia estar com uns 40° graus de tão caloroso que estava. Ela sentia sua testa suar, talvez fosse o nervosismo que a fazia ter a sensação térmica de estar cozinhando dentro de um forno. Por um breve momento ponderou de como deveria ser o inferno? Afastou a idéia, pois já sabia a resposta: ele era muito parecido com o que estava prestes a acontecer.
—Eu trouxe uma coisa para você, espero que goste. —Ele tinha a voz penetrante e levemente rouca, ela sempre associava aquela voz ao rugido de um trovão, era forte e impactante. E a fazia tremer de medo.
O homem continuava parado de pé em frente á ela. A garotinha estava sentada na ponta da cama, neste momento até sua respiração parecia ruidosa demais, tudo o que queria era sair daquele quarto abafado e correr para bem longe. Pensou se poderia chorar por sua mãe, mas no fundo sabia que de nada iria adiantar. Ela provavelmente iria mandá-la enxugar as lagrimas e voltar lá para dentro. E depois daria uma bela surra nela para aprender a parar de ser fresca e insolente. Ela nem sabia o que a palavra insolente queria dizer, mas sua mãe adorava repetir esse nome. Talvez isso a fizesse acreditar que era culta e não uma caipira estúpida.
Escolheu continuar encolhida na cama fitando os sapatos pretos polidos do homem que estavam tão lustrosos que podia ver seu próprio reflexo neles. Ainda não entendia porque aquele homem usava um vestido preto. Sua mãe a corrigira inúmeras vezes explicando que aquilo não era um vestido, e sim uma batina. ‘Garota estúpida, isso não é um vestido. É uma batina. Algo que homens importantes da igreja usam. Você é tão burra que não consegue entender isso?’’. Para ela isso era mais um jeito metido de chamar o vestido preto por outro nome. Para ela ele não passava de um homem mal. Um homem muito mal que a visitava todas as quintas feiras para forçá-la a fazer coisas que não entendia. Um homem que falava sem parar nos domingos de manhã na igreja, á quem sua mãe olhava com admiração e algo mais sombrio que aos seus pequenos olhos ela ainda não sabia identificar o que era. Um homem que ficava horas á fio em frente á uma cruz de madeira tagarelando para outras dezenas de pessoas da comunidade, e tudo o que Carmen tinha vontade de fazer era se levantar e chorar. Não o choro baixinho que ela ousava proferir a noite enquanto rezava para que aquele Deus que o homem mal falava todos os domingos sobre ser tão bom e piedoso, que ouvisse suas preces e fizesse com que o Padre McDirt ficasse doente na próxima quinta feira e não á fosse visitar (o que obviamente não aconteceu, pois só mais tarde Carmen foi perceber que o Deus á quem sua mãe rezava com muito fervor podia se revelar um sujeito bem impiedoso que ignorava garotinhas machucadas), mas sim levantar-se urrando de dor e indignação e mostrando á todas aquelas cabeças ocas que ele era um mentiroso. Que ele não era um homem bonzinho ou legal. Que ela a forçava a fazer coisas que ela nem deveria saber na inocência de sua idade púbere que eram possíveis serem feitas. E que o pior de tudo que a mostrou que algumas dessas coisas não só poderiam ser gratificantes, como após algum tempo se tornaram agradáveis...
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Putrefy
Mystery / ThrillerO mau não é criado, você nasce com ele. Cherry Pie é uma ambiciosa striper com um passado negro e algumas idéias erradas na cabeça, alguns dizem que ela é a personificação de um anjo, outros juram que ela tem um buraco negro no lugar da alma. Quand...