O Banco

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Alguns dias atrás...

O cheiro das velas preenchia seus pulmões. Em algum lugar não muito distante ouvia-se o coro das crianças brincando em roda, suas vozes infantis e inocentes cantarolando cantigas que todas as crianças conheciam. O local estava vazio, ninguém iria entrar ali naquele momento, pois ela sabia que a sorte nunca estava ao seu favor. Como seria o escândalo se algum fiel entrasse na igreja e encontrasse uma mulher sentada no colo do bom padre da paróquia local? Por um breve momento ela torceu para que alguma alma entrasse naquele lugar e visse o que estava acontecendo.

Isso nunca iria acontecer ninguém ia naquela igreja em uma tarde ensolarada da suja Louisiana, todos tinham coisas melhores a serem feitas, e ir rezar não era uma delas. Carmen ainda sentia o abdômen doer pelo esforço que tinha acabado de empunhar em cima do velho, o suor escorria no meio de seus seios e ele estava ofegante como um porco velho. Seus olhos verdes e frios estavam fechados, poderia usar o crucifixo que havia tirado do pescoço imundo do Padre Aleister McDirt e usá-lo para enforcar o velho, seria irônico no mínimo. Morto por uma cruz, mas ele não era nenhum Salvador.

Segurou o artefato com força entre os dedos, até sentir o metal gelado e brilhante ferir sua pele. Ele abriu os olhos e soltou um riso abafado.

—Porque está rindo? —Carmen perguntou com a cabeça encostada no ombro do Padre.

—Eu estava aqui pensando, você deve me amar muito. —Ele disse com uma sotaque arrastado sulista.

—Não fale tolices. Você sabe que eu te odeio.  —Ela retrucou ofendida.

—Não é o que o seu comportamento revela. Você vem aqui na igreja, no meio do dia e praticamente monta em cima de mim. Diga minha filha, não podia esperar minha visita na quinta feira? Confesso que senti falta da torta da sua mãe.

Ela apertou a cruz com mais força contra sua mão, seria um golpe rápido, com sorte ficando-a no pescoço dele, ele sangraria até a morte. A solução de todos os seus problemas.

—Eu estava passando aqui por perto, revolvi dar uma passada para ver como você está. —Ela mentiu, ela tinha ido ali com o intuito de se apossar do colar de metal dele. Ela sempre se sentia atraída a objetos reluzentes de prata ou metal. Não sabia o porquê, mas algo ficava inquieto dentro dela até conseguir obter o que queria. Era muito mais tentador quando conseguia algo que não lhe pertencia.

Ela se levantou e ergueu o shorts que vestia.

—Mentirosa. Não vejo outra explicação para vir me ver. Você sempre diz que não me suporta, mas sempre está aqui, na Casa do Senhor para me ver. Admita que não consegue ficar sem me ver, minha filha. Você está ligada a mim e mesmo que não admita uma parte sua não vive sem mim.  Você obviamente não veio aqui pelos castiçais, não pense que eu não sei que você andou levando alguns daqui sua ladrazinha, agora eu os mantenho escondidos dentro da sacristia.

Ela abriu a portinha do confessionário abafado para sair. A luz que refletia no vitral da igreja cegava seus olhos. Era multicolorida e triste.

—A não ser que você... Volte aqui sua ladra! Devolva o meu crucifixo! Volte imediatamente daqui sua bastardinha — O Santo Padre levantou-se erguendo a batina tropeçando para fora do confessionário. Carmen ria enquanto corria a rua abaixo com seu novo artefato.

Quando chegou a sua casa subiu as escadas depressa, correu até o velho quarto e se arrastou para debaixo da cama, como fazia quando era uma garotinha. Tocou o assoalho de madeira e deu três batidas até ouvir o som da madeira oca. Com a ponta dos dedos ergue a tabua retangular. Assoprou as teias de aranha que tinha se acumulado no interior do chão e enfiou a mão dentro do buraco. Sentiu a caixa fria e a pegou. Era uma caixinha simples de madeira envernizada, tinha uma pequena fechadura. Carmen puxou o cordão do pescoço onde estava à chave e a abriu. Seus olhos brilharam com o relance dos objetos que estavam guardados dentro da caixa. Ali dentro havia duas taças de prata reluzente, ela assoprou e limpou com a costa da mão direita, viu seu reflexo. O nariz fino, sobrancelhas arqueadas e a boca carnuda, seus olhos verdes e iguais, seria tão bom se fossem ambos dessa cor.  Colocou as taças de lado e continuou a vasculhar a caixa. Lá dentro também tinha o isqueiro de metal reluzente que ela tinha pegado de Rey, um bar de abotoaduras de prata que um cliente descuidado não notou ter sido tirada dele enquanto ela se esfregava em seu colo na Boca do Inferno. Um par de brincos de argola que Carl tinha deixado cair enquanto estava ocupado demais contando o dinheiro do seu lucro. Tinha ali também alguns talheres que ela não se lembrava a onde tinha conseguido um canivete que um homem havia derrubado enquanto caminhava na sua frente. Uma saboneteira de metal polido que certa vez ela ‘encontrou’ no banheiro de um posto de gasolina. Um grampeador de papel que tinha pegado em um banco. Algumas presilhas cor de prata que uma vendedora em uma loja de roupas deixou á mostra no balcão. A maioria das coisas não passava do lixo de outras pessoas, nenhuma tinha nenhum valor significativo. Todas juntas não dariam mais que dez dólares. Mas era uma coleção adquirida ao longo dos anos, pequenos objetos reluzentes que chamaram sua atenção a ponte de serem sutilmente surrupiados. O mais importante de tudo era que nenhum deles fora dado á ela, Carmen simplesmente os pegara para satisfazer o seu desejo pessoal, e os escondia dentro de uma caixa velha no fundo do assoalho de seu quarto. Era seu segredinho. Eles faziam bem para ela, era como um vício incontrolável. Tudo que reluzia e refletia sua imagem chamava sua atenção de forma desesperadora. Ela precisa ter tudo àquilo que reluzia sua imagem.

PutrefyOnde histórias criam vida. Descubra agora