Sangue Frio

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Treze anos atrás...

—Meu Deus do céu! O que você fez com ele menina? — A boca da mulher fazia um perfeito circulo em espanto.

—Mas... — Ela apertou a ponta do nariz, sempre fazia isso quando estava mentindo. — Ele estava com frio mamãe, e eu precisava secá-lo.

Mamãe abanava a cozinha com um guardanapo velho e sujo na tentativa de fazer com que a fumaça saísse de dentro da casa.

—E porque ele estava com frio ein? É o terceiro que você faz isso em menos de um ano! Eu não vou comprar mais essas porcarias para você, Carmen.

—Ele estava meio sujo mamãe. Achei que seria uma boa idéia dar um banho nele. Mas ele ficou com tanto frio, tremia sem parar. Ele precisava ser aquecido.

A mulher tossiu enquanto abria o forno que estava enegrecido com a fumaça. Tirou-o de dentro e jogou no lixo da cozinha.

—Escute o que eu vou dizer Carmen. Você não pode colocar o cachorrinho dentro do forno. Você não pode dar banho nele. Pelo amor de Deus estamos no inverno. Tenha um pouco de bom senso menina.

Ela olhou para baixo envergonhada. A mãe sabia que ela não estava envergonhada ou arrependida de coisa nenhuma. Seria compreensível se fosse à primeira vez, mas era o terceiro cachorro que a menina enfiava vivo no forno, mamãe estava começando a desconfiar que ela sentisse algum tipo e diversão com a situação. Ela já tinha perdido a conta de quantos gatos a garotinha tinha resgatado da rua e trazido para dentro de casa. Talvez morrer de frio na rua seria menos doloroso do que ter a cabeça enfiada no triturador de alimentos da pia.

—Queria ele é um animalzinho. Não é assim que se cuida dele. Você poderia ter se queimado, ou pior ter queimado a casa. Ele não merecia ter sido enfiado dentro do forno aceso.

—Ele está em um lugar melhor agora mamãe. Você mesma me disse que quando morremos vamos para um lugar melhor, não é mesmo?

Ela não tinha um argumento contra isso.

—Sim, eu disse, mas... Mas esse não é o ponto. Você não pode colocar essa porcaria dentro do forno. Simplesmente não pode fazer isso. —O que ela mais temia, era que ela não era como as outras crianças. Não chorava quando o bichinho morria. Não sentia repulsa ao triturar o pobre gatinho. O cheiro de pêlo queimado não a incomodava. As outras crianças faziam um funeral quando seu animal de estimação morria e ficavam com seus pequenos lutos. Ela era diferente. Simplesmente não se importava. E Deus sabia como ela tentara dar uma mascote de estimação para a menina. Mas todos tinham um fim trágico e prematuro.

—Quer saber de uma coisa querida? Talvez você não tenha sido feita para cuidar de um bichinho. Vamos esquecer isso está certo? Chega de adotar, chega de dar banhos e secá-los dentro do forno. Algumas pessoas não são boas para esse tipo de coisa.

A menina piscou os grandes olhos verdes. A mãe tinha medo de olhar diretamente para eles. Eram frios e inanimados. Pensou se seria uma boa idéia conversar com o padre a respeito dessa menina.

—Tudo bem mamãe. — Ela sorriu e dirigiu-se para fora da casa.

*************

O mato áspero coçava seus pequenos pés delicados. Cada alfinetada fazia com que sentisse cócegas na pontinha dos dedos. Mas ela não se importava continuava a caminhar na serragem adentro se embrenhando cada vez mais para a vastidão verde e amarelada. Algumas folhas do capim haviam sido queimadas e por isso o cheiro amargo da fumaça ainda pairava no ar.

A terra tinha entrado nas unhas, mas não tinha problema algum, em sentir a brisa quente do final do outono corando as pequenas bochechas. Ela parou por um momento e coçou o pequeno tornozelo, algum inseto a tinha picado. Era um pequeno preço a se pagar por caminhar descalça aos arredores do pântano. Apanhou um pequeno dente de leão, ele era tão delicado e pequeno ao toque. De alguma forma ela se sentia conectada aquela plantinha. Era bonita por fora, mas assim que assoprada se tornava oca por dentro. Completamente vazia.

PutrefyOnde histórias criam vida. Descubra agora