A Torta de Cereja

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Boca Do Inferno uma hora atrás...

As luzes de néon estavam fazendo com que sua visão doesse, o cheiro de suor, cigarro, bebidas e esperma velho fazia seu estomago revirar. Seus pés estavam doloridos, o maldito salto estava acabando com as juntas do seu pé, cada passo era como se uma pequena agulha fosse enfiada em sua sola. As terríveis câimbras estavam acabando com qualquer resquício de humor que ela tivesse. Era difícil manter-se animada, era uma tarefa árdua sorrir e olhar nos olhos daqueles homens patéticos, que se aglomeravam ao redor do palco como um bando de moscas ao redor de um cadáver em decomposição, com seus olhares lamuriosos e vazios, cheios de admiração e desejo, porem completamente extintos de compaixão ou racionalidade. Eles eram patéticos, suas pequenas vidas valiam menos que um absorvente usado. Suas existências eram desgastantes e irritantes, só de imaginar o barulho de seus corações batendo, de suas jugulares pulsando fazia com que seu estomago subisse até a boca e voltasse, era revoltante o fato deles respirarem. Era degradante o fato de que eles não piscavam enquanto seu quadril se movia de cima para baixo. Era absurdo que suas mentes eram ocas e vazias enquanto suas calças estavam cheias e suas mãos ocupadas admirando-a despir-se para um bando de estranhos.

Contudo ela não era proibida de fingir e essa era uma de suas maiores virtudes, se não a sua maior virtude, fingir, mostras as pessoas exatamente aquilo que elas anseiam para ver, fingir um sorriso era recompensador, fingir palavras afinal as pessoas adoram ouvir aquilo que lhes agrada, ignorando totalmente o fato de que tudo que lhes é dito não passam de palavras mentirosas.

Ela era boa em fingir, tinha percebido isso desde muito tempo, desde quando era uma criança que morava perto do pântano, desde os domingos que ia à igreja com a mãe. Mas era melhor não pensar nisso, não agora. Isso faria com que seu humor abaixasse ainda mais.

Ela se abaixou, deixou um cliente colocar uma nota verde dentro da sua calcinha, lhe retribuiu com um sorriso afável, os olhos lascivos do homenzinho brilhavam. Ela sentia o cheiro que saía dele, ele cheirava a vida. Ela odiava esse cheiro. Voltou para o mastro frio de metal, enquanto fazia acrobacias e absorvia a música que tocava, tentando ignorar todos os burburinhos das conversas paralelas infligindo seus pensamentos. Só mais uma noite ela dizia a si mesma, e não teria mais que voltar para o inferno. Literalmente.

Não tinha vergonha em ficar nua na frente de completos desconhecidos, não se importava em se exibir, seu corpo ela seu instrumento e tinha orgulho dele, aprendera a manejá-lo ao seu favor desde muito cedo. Assim que atirou o sutiã ao publico se sentiu livre no palco, ela não dançava para os outros, não para aquele bando de hipócritas, fazia isso para si mesma. Todas as noites seduzia a si mesma, e podia afirmar que estava completamente apaixonada pela imagem que refletia no espelho do bar. Seu reflexo era encantador, e sempre que maneja o corpo pelo palco, subindo e descendo no chão frio, conseguia ver sua imagem logo á sua frente. Era para a mulher no espelho que ela dançava, e não para os caipiras que atolavam suas mãos com dinheiro suado e sujo.

A música acabou ela se levantou do chão e recolheu as notas perdidas entre suas vestimentas. Os homens assobiavam e falavam obscenidades, ela ignorava á todos. Apenas colocou o roupão e desceu do palco. A primeira coisa que fez ao sair do holofote foi tirar os saltos pretos, eles estavam fazendo bolhas em seus pés, estavam no vivo e doloridos. Foi um alivio ver-se livre dos saltos e sentir o sangue fluir livremente por seus dedos.

Caminhou com toda a elegância e dignidade que uma stripper descalça usando apenas um roupão poderia ter e foi para o lado de fora da boate. A luz a estava incomodando, o cheiro e principalmente aquelas pessoas. Eram apenas hospedeiros dentro de um corpo humano sem vida, um grande amontoado de carne desperdiçando tempo e ocupando espaço.

PutrefyOnde histórias criam vida. Descubra agora