A nova mulher

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A paciência é uma virtude, e James Rey Furnier sabia disso como ninguém, ele fora paciente durante os anos que estivera preso, foi paciente enquanto esteve casado com Amélia e aquele sim tinha sido um erro gigantesco. A mulher era tão fria quanto uma tora de esquimó. Rey se perguntava se o túmulo de sua primeira esposa era gelado durante o verão, seria possível que ela fosse tão frígida em morte quanto foi em vida?

Rey tentou afastar esses pensamentos, as vezes oscilava entre o delírio e a realidade, uma pequena fração de si, a que teimava em manter sua lucidez tentava alertá-lo que Amy fora cremada pelo pai ricaço. Rey permitiu-se rir, então em algum momento aquela miserável ofereceu algum tipo de calor, mesmo que fosse o post-mortem no crematório.

O homem voltou a contemplar sua quase infinita paciência, essa era a chave do sucesso, ele foi paciente para conseguir escapar da prisão, ou teria ele sido solto voluntariamente? Suas lembranças estavam envoltas em uma neblina escura, Rey não conseguia se concentrar, já não conseguia escapar dos apagões que aconteciam agora com mais frequência. Isso o deixava irritado, Rey bateu três vezes na cabeça repetindo "concentre-se homem!", ele sabia que precisava se concentrar para ter Cherry de volta, afinal de contas ela era o ponto de luz ao fim do túnel, ela seria sua esperança de recomeço, afinal de contas ela carregava seu filho.

Sim filho, agora Rey conseguia se lembrar. Ele estava sentado numa poltrona velha, com o estofado empoeirado e manchado, as molas saltadas incomodavam suas velhas costas. Outrora essa poltrona foi muito confortável, na casinha aconchegante que ele dividiu com a primeira esposa, agora não passava de um monte de lixo empilhado e sujo, num casebre caindo aos pedaços e abandonada naquele lugar esquecido por Deus.

Rey empertigou-se e acendeu um novo cigarro, esquecendo que já tinha um aceso na boca. Decidiu segurar o novo enquanto tragava o velho. Ele precisava trabalhar em um novo plano de recuperar sua nova mulher e filho (ele tinha certeza que ela carregava um herdeiro masculino no ventre), para manter-se acordado, Rey comprou com um traficante local uma porção de anfetaminas, estava tomando aquela porcaria há alguns dias, mas não estava conseguindo alcançar o efeito desejado, então ele decidiu moer os comprimidos brancos e cheirá-los. O homem tinha feito isso há poucos minutos e já se sentia energizado, os estimulantes ajudavam seu cérebro defeituoso a trabalhar, afastavam os apagões. Ele estava quase conseguindo discernir a realidade da fantasia.

Quando usava sua visão periférica, pelo canto dos olhos, podia ver Amy usando aquele vestido xadrez vermelho, encostada no fogão preparando o jantar, céus! Ele podia jurar que sentia o cheiro do ensopado e ouvia o som das crianças. Rey tomou um gole da garrafa de vodka barata que estava dentro de um papel pardo e tudo voltou ao normal. Não tinha ninguém naquela pocilga além de um homem atormentado por seus demônios.

Rey levantou-se, apagou os cigarros com a bota e sentiu uma vertigem, como se tivesse algo solto dentro do crânio. Ele se apoiou em uma mesa embolorada e conseguiu manter o equilíbrio. Era hora de ir procurar por Cherry, ele iria revirar cada pedra naquele pântano, mas não iria sossegar até tê-la de volta, por bem ou por mal. Pegou a velha espingarda que estava encostada atrás da porta, já estava escurecendo e a noite era sua aliada. Ninguém iria prestar atenção em um homem alto e esguio, com chapéu de cowboy e uma arma na mão, não a noite e não naquele lugar.

Após caminhar por alguns quarteirões, Rey começou a sentir vibrações na barriga, não se lembrava quando havia comido algo decente. Estava a base de drogas, nicotina e bebida a sabe se lá quantos dias. Na maior parte do tempo estava enjoado ou chapado demais para pensar em comer, às vezes sentava-se à mesa de jantar de sua antiga casa e podia ver um belo prato de ensopado de peixe á sua frente. O aroma era encantador, podia jurar que Amélia o estava servindo, mas em um piscar de olhos tudo sumia e ele estava de volta na casa deteriorada, vazia de gente e cheia de ratos e outros animais que ele procurava não pensar sobre sua existência.

De repente, ele ouviu algo que chamou sua atenção, vinha de um beco próximo á rua em que estava andando. O que era engraçado, parecia uma voz feminina amuada falando e logo em seguida a voz engrossava, como se ela estivesse tentando imitar um homem falando.

— "Ah, minha doce criança jovem, inocente e louca."

A voz feminina imitando uma masculina dizia e logo em seguida estava ao timbre normal chamando pelo "padre?", Rey parou. Arregalou os olhos. Ele conhecia aquela voz, bateu na cabeça três vezes para ver se não era mais uma peça sendo pregada por sua imaginação. Não podia ser, aquela era a voz de Cherry.

Ele se aproximou, sorrateiramente, tentando ser o mais silencioso o possível. E ali estava ela. Descalça, com o cabelo embaraçado, usando um vestido justo demais para seu porte físico, ela tinha ganhado peso. Estava gesticulando como se estivesse conversando com alguém que apenas ela conseguia ver. A menina estava tão absorta em sua fantasia que não notou quando Ray tirou a trava de segurança da espingarda e empunhou-a na sua frente. Rey estava lúcido, ele ouviu claramente ela referindo-se a si mesma como "Carmem", seria esse o nome da misteriosa stripper?

Ela finalmente virou-se para frente, estreitou os olhos para se acostumar com o breu e viu o cano da espingarda de Rey.

—Carmen?— ele ingagou— Eu esperava um nome mais interessante para tanto mistério.

Ela piscou perplexa, estava confusa e assustada, Rey conseguia sentir o cheiro do medo.

—Pa...— ela gaguejou —Paizinho? O que você está fazendo aqui?

Rey sorriu maliciosamente, sem mover a espingarda que continuava apontada para aquele lindo nariz arrebitado.

—Eu estou onde eu deveria estar e você está onde nunca deveria ter saído, minha querida Carmen, da minha mira. Não pense em gritar e não pense em correr, você está gorda, não vai conseguir dar cinco passos antes que eu estoure seus miolos.

Ela assentiu e engoliu a seco. Rey continuou e inacreditavelmente ele se sentia calmo. Não oscilava e estava em total controle daquela situação.

—Não dê um pio, não pense em bancar a espertinha, Carmen, eu conheço suas artimanhas. Daqui a dois quarteirões está a minha casa, quero dizer... A nossa casa. Onde você irá docilmente comigo e não será nem doida de reclamar, se espernear ou protestar, está me ouvindo, Carmen? — Pronunciar seu verdadeiro nome era como música para seus ouvidos.

— Você... Você não saiu da cadeia, você fugiu. E você não tem família, eu já sei de toda a verdade! Você matou sua família! Eu conheço uma pessoa muito poderosa, que está só esperando um vacilo seu, para colocar sua cabeça como troféu na parede. Quem pensa que é para me ameaçar com essa arma meia boca? Você é um caipira fodido, fugitivo, horroroso e maluco e não pense que vai se safa...

Antes que ela continuasse a proferir aqueles impropérios Rey estivou a arma e bateu com o cano na cabeça dela. Ouviu o som de um "tuc" e os olhos da menina ficaram brancos e sua boca se abriu. Antes que ela caísse no chão, Rey a pegou nos braços. Apesar de estar grávida e longe de sua forma habitual, ela pesava menos que um saco de farinha. Rey a carregou sem dificuldade pela noite escura. As ruas estavam vazias e por sorte, ou azar, ninguém o impediu de levá-la para a casa abandonada, que agora tinha o dono de volta.

Rey levou Cherry/Carmen para o quarto no fundo da casa, pegou um pedaço de corda e amarrou firmemente os pés e mãos dela, também amordaço sua boca com um lenço encardido e a deixou repousando em cima do colchão. Ele precisava ganhar tempo, precisava pensar e bolar um plano. Agiu novamente por impulso e agora estava perdido. Cherry respirava ruidosamente enquanto estava desmaiada.

Rey coçou a cabeça, tirou o chapéu e se sentou em uma cadeira próxima ao colchão sujo. Deixou escapar dos lábios aquilo que estava evitando pensar.

—E agora?

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⏰ Última atualização: Aug 29, 2018 ⏰

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