Eu não quero ser você!

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Por Anika.

Julian me fez ver o lançamento do livro. Meu celular acabou ficando em casa, depois da correria de me arrumar e deixar leite para Marina. Foi bom, pelo menos tive uma distração e parei de pensar um pouco em Steve e sua viagem inadiável para casa.
Semanas se arrastaram depois disso. O livro foi bem aceito, e para uma iniciante, eu até que estava indo bem. Porém, após um mês do lançamento oficial, houve um crescimento exponencial em vendas e meu nome estava no topo dos mais queridinhos. Sim!
"Quem é Anika Lombard?"
Ir na rua deixou de ser uma opção para mim, e Julian se sentia o máximo por me ter no casting deles. A fama veio com força.
Seguidores e mais seguidores no Instagram, fotos e autógrafos nas ruas, e agora, não tinha nem como me esconder mais da minha família. Meu nome estava na boca do povo e eu estava adorando ter as minhas palavras de liberdade inspirando tanta gente, principalmente as mulheres, que me mandavam mensagens dizendo que mudei a realidade financeira delas.
E então as sessões de autógrafos começaram, pois muita gente me queria por perto. Convite de palestras, participações em programas... meu Deus! Quanta coisa!
Ane se transformou em minha agente pessoal, cuidando da agenda. Lissa, quase uma babá de Stela, acabou ganhando esse papel e agora ela recebia um salário pago pela editora.
As idas aos shoppings da cidade me fez lembrar de como conheci Steve. Aliás, será que na Itália ele já sabe que eu sou uma escritora também? Que Stela é uma legítima filha de pessoas que amam as palavras? Não sei. Só sei que Leo disse que ele estaria de volta em uma semana. Pelo que ouvi por aí, estava furioso feito um leão, e pronto para atacar a sua maior concorrência no mercado. Eu mesma.
Claro que com a minha ascensão para a elite de Washington, tive que adequar meu vestuário para tal cargo. E finalmente comprei o meu vestido azul marinho e prata! Com um desconto espetacular na loja, por conta da dona ser uma fã de carteirinha.
Evito ao máximo sair com Stela, levando em conta que não conversei com o pai dela para fazer tal exposição, mas na verdade, eu nem queria. Mesmo andando com seguranças, ficando nos melhores hotéis e finalmente conhecendo Nova Iorque, o medo do meu pai me achar era maior que qualquer alegria diante minha posição na sociedade. E eu realmente estava com medo. Não por mim, mas pela minha menininha, inocente no mundo. (...)

- Ani. -Anelisie interrompeu a amamentação de Stela- Steve tá na sala.
- Ele não vinha daqui a uma semana? -questionei.
- É. Mas ele tá puto. Me da a Stela aqui.
- Não. Ele vai esperar a menina terminar de mamar e vai vir aqui.

Ane saiu do meu quarto, fechando a porta. Não tardou para Stela parar de mamar, e Eu usei o tempinho para soltar o cabelo e passar uma maquiagem, leve que fosse, para esconder um pouco as olheiras. Meu cabelo estava liso, o que me deixava mais magra do que eu já estava. Abri a porta do quarto, preparada para a batalha. Lissa passava por ali e entreguei Stela para ela, e pedi que avisasse para o sr. Irritadinho, que eu já podia brigar com ele sem nossa filha por perto.
Claro que ele demorou para chegar. Óbvio que ele tinha que chegar de terno, cabelo arrumado e gravata cinza escura. Óbvio que seus olhos cinzentos tinham que ter aquele brilho sarcástico. Com certeza ele não deveria ter me levado pra cama de jeito nenhum, porque ele estava uma delícia naquela roupa e queria mesmo me provocar.

- Anika Lombard. -fechou a porta e me olhou nos olhos.
- Steve Henson. -cruzei os braços, de maneira que os seios se destacassem na camisa social sob o terno azul marinho que eu usava.
- Adiantei minha viagem para prestigiar seu trabalho. -ele bateu palmas duas vezes- Querida concorrente. -seu sorriso soou sarcástico.
- Poxa. Que sorte a sua me encontrar em casa! -coloquei a mão no peito, fingindo surpresa- Devo agradecer o prestígio?
- Não.
- Que bom. -pisquei, ansiosa pelo combate.
- Tem explicação? -ele jogou o meu livro em cima da cama.
- Tem. -descruzei os braços, segurando o livro- Quando me formei em Literatura, o objetivo era ser escritora. Porém é difícil...
- Cale a boca. -ele falou, seco, curto e grosso. A raiva subiu pelo meu corpo- Você só escreveu essa merda para tentar ser... eu! Ah, Anika, sonhe! -sua risada foi sarcástica- Isso, -apontou o meu livro, abraçado por mim- não chega nem aos pés dos meus. Você não passa de uma modinha, Anika. -falou com um completo desdém.
- Eu não quero ser igual a você. -o salto me ajudou a parecer forte. Mas eu queria desabar. O amor não tinha morrido como eu tinha imaginado- Meu objetivo é escrever e eu quero que as mulheres saibam que podem administrar seu dinheiro com responsabilidade e...
- Como você fez? -ele gargalhou- Anika, você torrou milhões de reais! -ele praticamente gritou- Não entende que isso é uma farsa! -agora ele apontou para mim- Você...
- Steve, eu não...
- Você é uma mentirosa! Nosso amor foi mentiroso! A Stela foi só um motivo para eu ficar com você? Há, querida! Sonhe!
- Steve! -eu gritei- Você acha que eu namorei com você pra ganhar fama? Pra ganhar conhecimento financeiro? Eu nem li o seu livro! E como você disse, eu torrei meu dinheiro! -um nó de lágrimas se formou na minha garganta- Eu escrevi cada letra com os erros que cometi na minha vida. -dei um passo à frente, jogando o livro nele.
- Você fez isso. -ele respondeu, apontando para mim- Você teve uma filha comigo para segurar esse relacionamento de merda que você nos colocou! -ele berrou, me assustando.

Dei um passo para trás. Era isso que ele pensava de mim? Que eu era uma aproveitadora barata?

- Ainda teve a coragem -Steve continuou- de engravidar. -ele olhou para o teto, provavelmente pensando nas próximas facadas- Anika, você tem noção que colocou um bebê inocente nessa merda toda?
- Eu não tenho culpa!
- Tem sim! -deu um passo à frente- Podia muito bem ter tomado um anticoncepcional qualquer.
- Steve eu...
- Você montou esse plano e pronto! Conseguiu o que queria? -relanceou o livro jogado no chão.
- Steve, você sabe muito bem que eu era virgem. -comecei devagar, talvez nossos amigos estivessem ouvindo tudo e isso era muito íntimo- Meus pais nunca falaram de sexo comigo, e isso eu teria que aprender na hora. Então ir num ginecologista pra mim era besteira. -fechei os olhos- Eu não planejei relacionamento nenhum. Nem filho nenhum. Nem nada. -sequei a lágrima que deixei escorrer acidentalmente- Descobri Stela indo pedir um atestado porque tinha faltado o serviço. Eu não pedi um bebê, Steve. Nem você.
- Como você consegue ser tão falsa?
- Eu estou dizendo a verdade.
- Você é uma farsa, como eu disse. Não foi amor. Foi interesse.

Não respondi. Steve não queria me ouvir.
Houve um silêncio.

- O que tinha de tão importante na Itália?
- Nada. -ele olhou para a janela- Talvez eu precisasse ir para descobrir quem é você de verdade.
- Eu sou a Anika, Steve. Eu ainda não sei nada da vida adulta, nem de como me portar nessas situações, mas -um soluço escapou e percebi que eu chorava inconsientemente- eu não pensei em nada disso. Escrevi o livro pelo amor que tenho à literatura e o que eu tinha por você. -fechei os olhos, lembrando de quando eu tinha dito que o amava pela primeira vez- Achei que fosse se orgulhar de mim.
- Amor por mim, Anika? -ele me devolveu um olhar cético- Chega. Não consigo ouvir mais mentiras. Vim para pegar as coisas que faltam e levar Stela. -parei de chorar no mesmo instante, correndo até a porta, me colocando à frente dela.
- Você não vai levar a minha filha pra lugar nenhum!
- Ah, eu vou. Pra minha casa. -tentou passar- Saia da frente!
- Não, Steve!
- Sim, Anika! -ele tentou me puxar.
- Não toque em mim! -explodi- Para de ser infantil, Steve! Ela é um bebê! Precisa do meu leite! E eu preciso dela!
- Ah o infantil sou eu agora?

Nós gritamos tanto um com o outro, mas tanto, que perdi as forças e ele se aproveitou para sair do quarto. Corri atrás dele, descendo as escadas e vendo Leo com Stela no colo e uma pequena malinha ao seu lado.

- Leo! -caí ajoelhada- Não! Minha filha não!
- Você não merece ser mãe da Stela, Anika. -Steve disse, pegando a menina no colo- Nem de nenhum filho meu. Vamos.
- Não, vocês não vão para lugar nenhum! -levantei, colocando meu corpo na frente dele, tentando segurar Stela- Leo! Você era meu amigo!
- Uma pena que ele seja como um irmão para mim.

Ane tentou pegar Stela, mas Steve lhe lançou um olhar cortante, que a fez voltar.
Então ele disse a única coisa que me faria vacilar.

- Seu pai sabe que você está viva agora. Não posso deixar que ele leve a minha filha.

Então eu caí novamente, num pranto intenso. Ouvi a batida da parta e com ela, soltei um grito de profunda dor. Ane sentou do meu lado enquanto Lissa chorava também, porém bem menos do que eu.

- Nós ouvimos tudo. -Ane disse- Sinto muito.
- Eu amava ele, Ane! -lamentei- Nunca foi mentira...
- A gente sabe. -Lissa falou, secando as próprias lágrimas- Deu pra ver. -dei um sorriso triste rapidamente e voltei a chorar.

Meu mundo agora voaria de avião, e encontrado um lar na Itália, longe da mãe. Foi por isso que peguei o celular, ainda chorando e liguei para Steve. Ele não demorou para atender.

Anika: Você vai falar todo dia para a Stela que eu a amo. Tá me entendendo? -tentei evitar as lágrimas, mas eu não conseguia- Você me destruiu, Steve. Eu não sou tão forte como pensei que fosse, mas mentirosa eu nunca fui. -respirei fundo- A minha maior verdade está com você agora.
Steve: Você vai se reerguer. Coração partido, conhece?
Anika: Você não partiu meu coração. Você o tirou de mim a força, e eu vou pagar por isso todo dia. Você me matou. Conviva com isso.

E desliguei. Larguei o celular na sala e me tranquei no quarto. Lá eu gritei tanto, mas tanto, que achei que não iria falar nunca mais. Eu queria fugir da dor, como fiz quando adolescente.
Fugi da dor que era viver naquele lugar. Fugi dos dedos do meu pai entrando e saindo do meu sexo enquanto eu dormia. Fugi dos toques que ele deixou na minha pele. E me tranquei para todos. Steve destrancou tudo, foi ainda mais mais fundo e me machucou mais do que ver meu próprio pai abusando de mim.
No final das contas, eu era apenas uma garota em busca de um lar. E eu não sabia nada da vida  mesmo. Tudo que eu fiz foi perder.
Perdi minha casa, meu lar, meu namorado, minha família, e minha filha. O que restou? Valia a pena viver?

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