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   Estava correndo como se sua vida dependesse disso, talvez realmente dependesse.

   As patinhas loiras do animal se moviam rapidamente, sem olhar para trás, ouvindo apenas a respiração do perigo eminente atrás dele. Ele não aguentou correr por mais tempo e caiu no chão, olhando para uma grande sombra que se projetou acima dele.

   Era grande, rosnava alto e latia, Roger não tinha chances contra aquela fera...

   Ele fechou os olhos, esperando o pior...

   E foi atacado por várias lambidas.

   — Certo, Rami, a gente já sabe quem ganhou, Rami já deu. — Um certo gatinho loiro falante tentava desviar das lambidas de um cão enorme.

   — Vamos brincar de corrida de novo? Vamos! Vamos! Vamos! — Ele lambeu Roger mais uma vez. — Você vai me pegar dessa vez.

   — Cara, olha o seu tamanho, nunca que eu vou te alcançar correndo.

   — Então eu vou atrás de você de novo!

   Os dois estavam brincando no pequeno Jardim da clínica, enquanto Brian e Lucy observavam de longe, tomando café com a tratadora. Os dois tinham que fazer as consultas dos híbridos juntos, já que apenas uma tratadora tinha autorização para saber a verdade sobre os híbridos, nenhuma tratadora normal iria deixar um Pit Bull gigante brincando com um gatinho.

   — Estamos discutindo se as sessões de terapia devem continuar, já faz quatro anos que eles estão no tratamento. — A moça com pele morena disse, mas sua expressão não estava muito feliz. — Mas temos um problema quanto a isso.

   — O que houve? — O Doutor Brian May questionou, se arrumando em sua cadeira e tomando mais um pouco do café, antes de continuar sua pergunta. — Tem alguma coisa errada com o Roger?

   — Oh não doutor May, ele está se adaptando muito bem, o problema é com o senhor Boyton.

   — O Rami me parece saudável, o que ele tem?

   — É complicado... Senhor May, se importaria de nos deixar a sós?

   — Sem problema algum, boa sorte. — Ele tocou no ombro de Lucy, sorrindo para ela.

   Ele deixou que as duas conversassem sozinhas e foi em direção ao gramado, novamente se deparando com a cena de Rami lambendo o seu gato.

   — Nós fizemos essa brincadeira dezoito vezes, você ganhou as dezoito, você não enjoa não? — O gato se levantou.

   — Como vocês dois estão? — Brian sentou no chão, o gato pulou rapidamente em seu colo, se transformando em humano.

   — Estou exausto, nunca mais vou apostar corrida com você Rami. — Roger ronronou, se aninhando no peito de seu marido, mexendo as orelinhas. — Meow...

   — Eu também tô com fome gato. — Rami voltou a forma humana, o rapaz usava apenas uma calça jeans, com os cabelos bagunçados e orelhas de cachorro, estava sorridente depois de brincar com o outro híbrido.  — Cadê o amor da minha vida?

   — Ela está conversando com a tratadora. — Brian respondeu, abraçando Roger e o enchendo de beijos no rosto. — Vocês vão cuidar dos gatinhos que recolhemos na ONG amanhã, eu seu que o dia de tratamento foi repentino, mas a vida continua.

   — Eu não queria ir trabalhar amanhã, eu queria ficar o dia todo deitado agarradinho com você. — O gato disse fazendo uma voz manhosa, se aproximando do ouvido do seu marido. — Fazendo aquelas massagens que você gosta...

   — Roger não vamos falar disso aqui, imaginar me deixa um pouco desconfortável...

   — Não seria excitado?

   — Sobre o que vocês dois estão falando? — Rami perguntou, com uma expressão confusa no rosto.

   — Massagem erótica. — Roger disparou, sendo fuzilado com o olhar por seu marido. — Você olha pra mim como se ele nunca tivesse feito.

   — Eu nunca fiz...

   — Sabe quando a Lucy agarra no seu...

   — Lucy? — o híbrido levantou as orelhas em sinal de alerta, olhando para trás e vendo sua esposa entrar no prédio da clínica às pressas. — O que houve?

   Brian também se virou, vendo a tratadora sinalizar para que ele segurasse o híbrido.

   — Ela foi no banheiro em acho. — Brian chamou a atenção dele. — Mudando de assunto, acho que a gente deveria sair nesse fim de semana, fazer uma coisa legal, que tal ir assistir a um jogo de futebol.

   — Eu prefiro correr atrás da bola, mas ir ver o jogo? Em um estádio?

   — Exatamente, a gente fala com o pessoal da equipe e todo mundo faz uma vaquinha. — Brian sorriu, acariciando a cabeça de seu gato, mas por outro lado, estava preocupado com Lucy.

   O que ela tinha ouvido de tão ruim para acabar daquele jeito?

•••

   A doutora Boyton se olhou no espelho do banheiro, observando o seu rosto vermelho, seus olhos inchados e as lágrimas escorrendo por sua pele.

   Ela não esperava ouvir aquelas palavras da tratadora, ela tinha esperança de que tudo iria acabar bem, mas...

   "Depois de quatro anos de tratamento, nós achávamos que ele iria se curar. Porém, o caso do Rami é muito mais grave do que o de Roger, você já deve ter percebido que o híbrido gato tem a mente muito mais desenvolvida do que seu marido, ele levou choques demais no cérebro, é provável que... Ele nunca se desenvolva mentalmente."

   Aquilo doeu.

   "A adaptação cerebral dele manda ele ser agressivo."

   E ia doendo cada vez mais.

   "Talvez o casamento de vocês não vá pra frente, sinto muito, ele pode te machucar. Se quiser continuar com isso, é um risco."

   Foram ótimos anos de namoro, eles tinham se casado e acabaram de voltar de sua lua de mal, e quando Lucy achou que tudo estava começando a se ajeitar ela recebe a notícia de que seu marido nunca agiria como um ser humano normal?

   "E se ele conseguir se desenvolver?"

   Ela ainda tinha esperança em seu marido.

   Mas, novamente, a tratadora não ajudou.

   "Mas e se não?"

   Ela ensinou ele a cuidar da casa, ensinou ele a cozinhar, ensinou ele a fazer tantas coisas, coisas que pessoas normais faziam. Mas Lucy percebeu que ele fazia tudo de um jeito estranho, era como uma criança no corpo de um adulto, e ele não conseguia se desenvolver.

   Ela não tinha medo de se machucar, o amava demais para se importar com isso, não ligava para as marcas de quando ele acabava tendo um ataque, nunca colocou uma focinheira nele, tudo o que ela queria era ver ele vivendo bem e feliz.

   Era pedir demais?

   Quando estava prestes a sair do banheiro, seu celular tocou. Ela tirou o aparelho do bolso e olhou para o identificador.

   Número privado.

   Mesmo relutante, ela atendeu a chamada, aproximando o celular de sua orelha, sem ouvir absolutamente nada.

   —... Alô?

   "773".

Meow!? Yes, Again. Onde histórias criam vida. Descubra agora