4 | Eu nunca disse que eu não era

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[05 DE MARÇO DE 2020 — QUINTA-FEIRA]

Fazia muito frio na manhã de quinta-feira. Eu quase não quis sair da cama.

Por volta das 9h40, quando o sol ainda tentava, sem sucesso, romper as nuvens densas com seus feixes de luz, Alec e eu fazíamos o tour pe­lo colégio que, apesar de eu não ter gostado a princípio, estava come­çando a me adaptar. Nos encontrávamos em uma das regiões do terceiro e último andar, destinado à biblioteca, ao auditório, à sala de música e à área de descanso — nem sabia que existia isso aqui, mas sabia que estávamos indo justamente para lá.

Eu já tinha conhecido os andares 1 e 2 também.

Tudo era tão bem arquitetado — com vidros em tons coloridos e metais —, tão bem organizado e bonitinho que realmente ficava difícil expor uma razão que incentivasse alguém a querer sair daqui — a não ser, é claro, os constantes fúteis alunos que fariam qualquer um torcer o na­riz em reprovação.

O garoto ao meu lado, graças a Deus, não se encaixava nisso.

Alec, por conta do frio — ou por estilo próprio, vai saber —, usava um sobretudo preto que batia perto de seus joelhos, cujas mangas longas estavam dobradas nos cotovelos. Na verdade, ele estava completamente dark, ou seja, nem a camisa por baixo do sobretudo, nem a calça colada, nem o tênis casual e nem o coitado do cinto traziam outro tom que não fos­se levado pelo luto. Não era como se eu tivesse achado estranho; Alec ficava muito bem com a vestimenta unicolor.

Era um nerd meio emo e... hot — do tipo que seria sinônimo de estilo.

Eu já havia optado pela camisa social do colégio — simplesmente porque ela era bonita — da mesma cor do meu tênis e calça marrom. Não pensei tanto assim no meu look.

— Então, ao contrário do que pensei, você não é novato — comentei enquanto nos aproximávamos da área de descanso.

— Você achou que eu fosse? — Havia um quê de cautela em sua voz.

— Achei. Quer dizer, quando te vi sendo intimidado pelos garotos na segunda-feira, presumi isso.

Alec ergueu seu queixo um pouco e sorriu devagar.

— Por que eles estavam pegando no seu pé? — perguntei.

— Porque a maioria dos adolescentes é repugnante. Os garotos, pe­lo menos. As meninas se desenvolvem mais rapidamente.

— Mas... a julgar pelo seu jeito despreocupado de ser... pensei que fosse socar a boca de um deles em algum momento.

Alec deu um riso.

— Eu perderia minha bolsa — lembrou-me naturalmente. — E há outras maneiras de derrubar uma pessoa sem machucá-la fisicamente.

— Então isso significa que irá se vingar?

— Eu? — Alec colocou suas mãos nos bolsos do sobreposto num gesto de total despreocupação. — Não. A vida vai. Isso se chama... karma.

Minha espinha se arrepiou quando ouvi isso.

— Às vezes você me assusta — confessei com um sorriso meio torto.

Ele me olhou e sorriu também.

— Minhas sinceras desculpas, Sr. Rodriguez. — E suspirou, olhando para frente, especificamente para as portas duplas de vidro esverdeado. — Chegamos. Se estiver exausto do colégio e dos seus amigos de quarto, muito provavelmente é para cá que você deva vir.

Quando Alec abriu as portas, um ar frio — não do clima, e sim das centrais — nos deu as boas-vindas. A área de descanso era mesmo levada ao pé da letra: parecia uma sala vasta, com poltronas, sofás, bancos largos e forrados da cor da calça do uniforme, pequenas estantes de livros, mesas de mais vidro colorido... Havia também até duas daquelas máquinas geladas de guloseimas. Se elas emperravam como aquela perto do refeitório, eu não sabia informar.

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