14 | Ele não está sozinho

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[16 DE MARÇO DE 2020 — SEGUNDA-FEIRA]

— Okay, me diga: começando sua terceira semana no ALPHA, do que você mais gostou?

Fiz uma careta pensativa na direção de Betto enquanto andava ao seu lado para nossa sala. Todas as vezes em que eu me recordava da forma como ele estava vestido na festa do final de semana do colégio, um sorriso oculto de orgulho se formava em meu cenho. Nunca pensei que fosse querer ser amigo de alguém tanto quanto queria ser de Betto. Ele era totalmente diferente do que eu pensava.

— O dormitório — respondi. — Tem central nele. Não tinha central na minha casa.

Ele sorriu — atitude que eu esperava —, mas, quando eu percebi que estava levando a sério minha brincadeira, tive de esclarecer às pressas:

— Na verdade, tirando algumas pessoas exibidas e metidas a machões, até que tudo no ALPHA tem me agradado. É obviamente um colégio muito bom. Excelente, eu diria, tanto em infraestrutura quanto em ensino. — Passei com ele por um lance de escadas, já admitindo o primeiro andar. — Eu só não curti esse negócio de que não é permito nada homoafetivo.

— É, isso é uma das coisas que me faz não ter orgulho do ALPHA. — Seus olhos castanhos me observaram. — Mas você parece não ter levado isso muito a sério, pelo que vi.

Suspirei.

— Está falando de Alec — deduzi.

— Vocês estão... hum... — Betto ficou vermelho e, como se quisesse afastar uma coisa ruim, mudou a rota do diálogo: — Não é tão ruim assim... As regras, sabe? A diretora que as faz parecer pior do que realmente são.

Eu não acreditava muito nisso.

— Mas eu fui mandado para a direção no segundo dia porque dois garotos confundiram Alec e eu como namorados.

Ele ficou surpreso.

— Então Sandra está pegando mais duro este ano — murmurou, experimentando suas próprias palavras. — Em todo caso, eu não acho que um colégio de elite devesse impor isso aos alunos. Quer dizer, no fim das contas, é só beijo. Não beijo gay ou beijo hétero, entende? Somente beijo.

De total acordo com o pensamento de Betto, entramos na sala. A professora não havia chegado.

— Me disseram que os garotos, mesmo não podendo, se pegam — murmurei com desinteresse, só desejando ver aonde isso iria dar.

— Sim, e já peguei algumas cenas no flagra, inclusive. — Betto sentou-se na sua cadeira e, corado, olhou para mim. — Acontece muito nos dormitórios. Antigamente o colégio exigia câmeras dentro deles para prevenir isso, mas, por várias reclamações de privacidade da parte dos alunos, tiveram de cortá-las.

Não pude deixar de expressar meu alívio por ouvir isso.

Quando Bruno, um amigo de Betto, apareceu para conversar com ele, vi que eu ficaria sobrando na conversa, e isso me fez deixá-los sozinhos e ir para fora da sala, onde outros alunos estavam. Eu cheguei cinco minutos antes de começar a aula, o que me dava mais um tempinho para ficar do lado externo. Um dos garotos que estavam do lado de fora — que, por sinal, tinha acabado de chegar — era Danilo, cujo cabelo ruivo se encontrava comportado. Talvez ele gostasse muito de modificar seu com­por­tamento.

Danilo estava encostado no corrimão que possibilitava ver os alunos no térreo.

Decidido em ficar de volta na sala, dei meia volta.

— Vocês formam um belo casal.

Mas parei de andar quando escutei o ruivo falar comigo, embora eu ainda mantivesse meu rosto em um dos quadros brancos. Queria acreditar que Danilo não estava dirigindo a palavra a mim. Virando meu rosto, ele repetiu o gesto quase que de forma conectada, mas somente o canto de seus olhos me viu.

ALPHAOnde histórias criam vida. Descubra agora