um breve prólogo

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 575 palavras  
 

   Ainda menino fui bandear por entre os crisântemos próximos à fonte, numa manhã de sol. Eu sempre amei os crisântemos. E o rio escuro corria lascivo próximo à fonte e uma ponte bonita, de troncos grossos, de velhas cascas e muitas histórias sobre o corriqueiro rumor de água que pipocando em talhos os pedregulhos o lodo hidratava. Tenteei os galhos do sarandi, brinquei com um cusco encarapitado na pedra, e ficou desavergonhado a lamber a minha mão. O talo de um dos pomposos amarelados estava retorcido e na tentativa absurda de tentar consertar, remendar ou talvez sarar o quebrei mais ainda. A lufada serena levou-o para rio a fora e lá se ia, sendo levado pela correnteza, sei lá para onde. Tentei inutilmente o acompanhar, meus pés eram pequenos como pequenas e redondas batatas, mas ágeis, todavia não o suficiente para que pudesse acompanhar o fluxo, penso que na verdade nunca fui suficiente para acompanhar o fluxo, mas não há suficiência suficiente que possa caber na grandeza do suficiente. Com olhos tristes quase lacrimejando vejo o belo crisântemo indo... Indo para longe... Para longe de mim, pra onde não posso mais seguir, pois cheguei ao meu limite, porém serelepes os meus olhos infantis avistam ao longe no horizonte a figura misteriosa e sombreada que me alumbra, a silhueta perfeita, fantástica, hipnótica das árvores que dão vida ao bosque e sobre suas cabeças corvos sobrevoando e gritando em desespero e fome. A visão deveria me assustar, mas não faz, fico curioso pra saber o que terá atrás de todas aquelas árvores? O que terá por de baixo da copa, entre o arboredo, acima dos arbustos e cipós entrelaçados? O que terá? Bem avisava-me vovó com suas histórias cheias de alumbramentos; mas quem disse que eram suficientes?

   Impertinente alma de moleque, de menino que gosta de descobrir as coisas, mundos, realidades, segue sem temer os perigos do desconhecido e do escuro. Os crisântemos agora já longe compõem uma saudosa vista. A relva baixa ainda úmida pelo sereno da madrugada toca a pele macia, suave, lívida da sola do meu pé, causando uma sensação estranha, mas muito boa. Com sorriso nos lábios, de canto a canto, de uma orelha até a outra, sorriso de criança prestes a fazer uma bagunça, corro de braços abertos como se me possível fosse abraçar o bosque, e eu tinha essa vontade, embora não tivesse certeza de que realmente poderia. Então sou despertado meu devaneio, fantasioso, lírico e onírico com o som de um tiro vindo do interior do bosque. Gralhas confusas correndo a gritar em busca de um esconderijo cheias de medo, codornizes a fugir por entre a grama baixa, buscam abrigo e choram de medo, corvos que ao voar desordenados pelo azul do azul suplicam de medo e o silêncio da minha mente, agora também com medo. Meus pezinhos destemidos recuam, não querem prosseguir, meu coração está acelerado e a boca branca, certamente por causa da adrenalina. Entre um passo e outro em retaguarda a mão na boca e a confusão, desequilíbrio e por desequilibrar pisei em falso, pois estava de ré, assim caindo. Ora aquela grama estava mesmo molhada, gelada e macia. Ela foi tocando indecente o meu corpo por inteiro. Tive arrepios. Os raios atrevidos do sol castigavam a fragilidade da minha pele. Levantei às pressas. O monstro estava vindo com seus passos pesados, com sua arma nas mãos e seu chapéu de couro embaciado pela fuligem da poeira. Corri para casa. Corri o mais rápido que pude para casa. Queria perguntar à vovó se o monstro do bosque era o caçador.

A Ursa e o LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora