03:28, domingo
A noite sombria e fria se aprofundava bosque à dentro, grandes sombras passavam pelo chão quando as nuvens cobriam a lua apagando-a, o ar gélido batia nas árvores fazendo-as farfalharem enquanto os sons dos animais noturnos que vinham do bosque podiam ser ouvidos de algum lugar por perto. A grama ainda estava úmida da chuva de mais cedo, mas ainda assim Willian se encontrava acomodado no chão. Mesmo que o ar fosse gélido, o garoto parecia ignorar ou não se importar com o frio.
O lugar onde se encontrava ficava próximo ao fim dos terrenos de seu avô, nas bordas de um precipício coberto por nuvens brancas que mais pareciam vapor de fumaça — a continuação do abismo onde fora construído o observatório. As árvores naquela parte se fechavam formando uma espécie de recanto, como uma clareira, onde apenas a grama verde tinha espaço e quase nada de árvores; era um lugar pequeno onde a luz da lua tinha total acesso e sua luz era a única fonte de iluminação do local, banhando-o com uma piscina de luz prateada que o tornava incrivelmente aconchegante, mas ainda melancólico pelo tanto de lembranças que este carregava consigo. Ao redor apenas a escuridão da noite reinava, já que era um lugar do bosque um pouco mais afastado da casa, mas era por esse motivo mesmo que era um ótimo lugar de refúgio.
Willian se encontrava deitado na grama úmida olhando as estrelas, o ar da noite trazendo os sons até si de forma mais intensificada e talvez porque seus sentidos estivessem bem mais sensíveis naquela noite em especial. Os olhos fechados davam espaço para as lembranças aflorarem de forma livre, voando soltas pela sua cabeça já cheia; ali, com apenas as árvores e a lua por companhia.
O garoto conseguia sentir o cheiro de grama molhada e terra batida e se lembrou dos tempos bons, quando as preocupações eram totalmente diferentes e a vida era mais fácil. Se lembrava que aquele lugar fora descoberto originalmente por Matthew e só depois ele o descobrira também, por acaso, ao seguir o garoto e chegar até ali. Lembrava que no dia em questão seu irmão chorava, aparentemente havia brigado com sua mãe sobre algo e saíra correndo até ali.
Na época Willian não entendera o que estava acontecendo, mesmo agora aquelas lembranças eram confusas, mas era fato que o lugar havia se tornado seu esconderijo com o tempo, mesmo antes de seu irmão descobrir que ele também o usava como fonte de escape. Aquele era o lugar que ambos passaram seus piores momentos, o lugar onde tiveram a primeira briga feia e onde ele dera o primeiro soco em Matt, também fora ali que eles brigaram pela última vez, quando se viram pela última vez, onde as palavras que mais machucavam foram proferidas pela última vez.
O garoto podia ouvir os sons dos bichos entre as árvores, mas não se importava, na verdade, mesmo que pensasse em outras coisas sua cabeça sempre divagava e voltava aos mesmos problemas. Aquele lugar como um todo parecia uma maldição, lhe trazia memórias que ele gostaria de esquecer para sempre. Ali sozinho entre as plantas, engolido pelo escuro, podia sentir a proximidade com o passado mais que nos outros dias, podia sentir o gosto amargo de seus erros, de suas decepções e arrependimentos.
Ele sabia que não devia ter se deixado levar pelo que Ethan tinha feito ou dito, mas o fato de o garoto ser sempre tão teimoso lhe tirava do sério e ao vê-lo sair do galpão com Matthew sentira seu chão desaparecer, pensara que havia perdido novamente alguém importante para seu irmão, odiava aquela sensação de perda, ainda mais quando fora ele o único a sugerir fazerem aquela viagem juntos, então ao vê-lo com a pessoa que ele o tinha pedido para manter distância, aquilo fez seu sangue ferver.
Willian sempre fora muito controlado na questão da raiva e emoções em geral, por isso aquilo era completamente novo para ele, aquelas súbitas perdas de seu senso comum. Ele era alguém que sempre pensava calmamente usando a cabeça e não apenas seguia seus instintos, mas Ethan fazia aflorar o seu lado mais detestável. Por que era assim tão difícil para ele aceitar seus sentimentos? Por que ele não podia simplesmente acreditar em suas palavras? Por que não conseguia ver que era para o seu bem? Ele realmente queria dizer adeus? Depois de tudo o que haviam passado para chegar até ali? Tantas perguntas sem respostas que lhe fazia desmotivar-se. Willian havia percebido ao ver a expressão no rosto de Ethan mais cedo, que ele tinha tomado uma decisão perigosa, aquilo definitivamente era um... Adeus.
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