02:45 da madrugada
As lágrimas se recusavam a parar, caíam marcando como fogo as bochechas e deixando um gosto amargo na boca de Willian. Depois de conversar com Matthew ele tinha percebido que, de fato, faltavam muitas peças do quebra cabeça de sua vida, coisas que devia saber e não sabia, outras que não se lembrava, mesmo sabendo que devia se lembrar, era como se vivesse com fragmentos e aquilo lhe enlouquecia. Viver uma meia vida era o que mais temia e era exatamente o que tinha naquele momento, e lhe foi mostrado da forma mais cruel. Mais uma vez, Willian percebia que vivia sob uma fina camada construída a base de mentiras, e o pior, percebera da pior forma que Matthew, ao qual sempre culpara pela maior parte das coisas que ocorriam de ruim em sua vida, era tão refém da situação quanto ele.
Aparentemente também não conhecia muito a mulher que chamava de mãe. Não entendia o que Matthew dissera sobre ela achar que estava fazendo a coisa certa, mas definitivamente entendia o sentimento de confusão já que sentia o mesmo constantemente. Tão pouco sentia o ódio que sentira no início, não conseguira manter o sentimento quando Matthew falara dela de uma forma tão carinhosa, como se aquilo fosse exatamente o que uma mãe normal faria. Porém não podia culpá-lo por não saber bem o que era uma família normal quando vivia na sua família. Com pais divorciados, um irmão que lhe odiava, um avô que não queria lhe ver nem coberto de ouro e tendo como companhia apenas a mãe distante e louca por trabalho que era Katarina, não era de se espantar que o garoto visse ela como uma boa mãe. A vida de ambos era uma bagunça, começando pelos pais.
Willian começou a perceber que quase já não conhecia o irmão. Ele simplesmente mudou tanto naquele meio tempo que chegava a ser assustador. Sim, era verdade que haviam passado um tempo sem manter contato, mas não havia sido tanto tempo assim para Willian esquecer como era seu próprio irmão, porém era exatamente o que havia acontecido. Matthew havia se tornado quase um estranho, não só na personalidade, mas também em sua aparência física. Ele parecia radiante com aquele sorriso sempre estampado no rosto, mas ainda assim tão distante. Tão lindo e incrível, mas ainda assim vulnerável, de alguma forma. Sua personalidade era uma série de personagens convenientes para lidar com as muitas situações em que ele se metia.
Havia um sorriso para falar com as garotas, um para falar com os professores, um para conversar com seus colegas. Um casual sorriso sempre desenhava seus lábios, não importa quando ou onde, mas nas poucas vezes em que Willian lhe encontrara só, ele parecia sombrio e muito distante, com olhos vazios e um rosto totalmente sem expressão ao ponto de lhe fazer se arrepiar. Nem um vestígio de qualquer um de seus belos sorrisos, apenas a carcaça vazia do que ele preenchia com mentiras para mostrar o que não era às pessoas ao seu redor. Estava sempre em um canto escondido, se misturando as sombras do lugar. Ainda assim, de certa forma, Willian achava que ele parecia incrível, apesar de triste. Sentia-se exatamente da mesma forma de quando era um garotinho e o observava fazer algo; Matthew era simplesmente incrível sem esforço, talvez por isso aquele sentimento de ciúmes e raiva haviam evoluído tanto sem real motivo.
Seus cabelos, incrivelmente negros, acentuavam muito bem em sua pele pálida e pareciam deixar seus olhos tão dourados como o ouro. Ele havia ficado mais alto e lhe passado alguns centímetros e aquilo lhe surpreendera da primeira vez, já que sempre haviam sido do mesmo tamanho. Seus traços estavam mais fortes, sua mandíbula mais marcada; definitivamente ele havia amadurecido mais rápido. A aura de maturidade e seriedade lhe rondava mesmo entre os universitários.
Willian o julgara tanto e passou tanto tempo o odiando que só após o irmão deixar muito claro que estava tão mal quanto ele naquela situação toda, percebera o quão injusto tudo tinha sido com ele também. Talvez já soubesse, só não quisesse admitir. Porém, o que mais lhe deixou decepcionado foi o comportamento de seu pai, que aparentemente fora quem combinou tudo com Katarina. Willian jamais imaginou que ele fosse agir de tal maneira covarde e distante. Sabia que o pai não era muito presente, tão pouco parecia muito interessado em sua vida escolar, apesar de sempre exigir uma boa postura perante os professores e uma boa conduta disciplinar, mas a responsabilidade de só e deixar para sua mãe resolver o problema? Aquilo era demais.