|Capítulo 2 | V e VI

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V.

Conforme caminho para o local dos testes, uma lembrança antiga brilha em minha mente. É de um momento da minha infância, da vez que meus pais levaram eu e minha irmã ao zoológico de Belo Horizonte.

Lembro-me do fascínio que senti quando vi cada animal. Araras coloridas, olhinhos de jacarés sobre a água e elefantes simpáticos. Aquele dia foi mágico. É uma recordação que a maioria das pessoas tem da infância. A única coisa que não deixou o dia ser perfeito foi o momento que passamos pelas jaulas dos felinos.

Eu não queria passar por aquela parte do zoológico, mas minha irmã adorava as onças e insistiu em vê-las quando percebeu que eu estava com medo. Denise é maravilhosa desse jeito. Eu segurava a mão do meu pai como se ele fosse meu escudo. Na verdade, ele era meu escudo. Não olhei para os animais nenhuma vez e parando para analisar, eu sempre fui do tipo de garota que evita o que não pode lidar.

A sensação que sinto nesse momento é a mesma que senti quando caminhava para aquela jaula. Eu sabia que as onças estavam presas e não podiam me fazer mal, mas meu instinto de sobrevivência fez com que minha mente de criança calculasse o quão fácil seria para uma delas me devorar. Talvez, seja por isso que essa recordação tenha voltado. Eu sei que o homem atrás daquela porta não vai me atacar. Ele é apenas um homem que dividiu uma história conturbada comigo, mas isso não quer dizer que meu instinto não esteja apitando como um louco.

Quando chegamos a porta da sala de testes, respiro profundamente antes de girar a maçaneta. Flavio está em meu calcanhar como um cão de guarda.

Vejo Carla conversando com o diretor quando espreito pela porta. Todas as luzes estão acesas agora, não há mais como esconder minhas expressões no escuro.

— Tai, você está aí. Eu estava me perguntado onde você tinha ido — diz o diretor assim que me vê. — O que achou do teste?

Oh. O teste.

Aproximo-me dos dois e Carla traz seus olhos para mim.

— Achei tudo ótimo. Os dois pareciam bem juntos — digo o mais tranquilamente que consigo.

O diretor sorri com satisfação.

— Nós achamos a mesma coisa. Eles estavam perfeitos, não estavam? Achei melhor cancelar os outros testes. Nós já encontramos a nossa garota.

Meus olhos arregalam-se.

— Os testes acabaram?

— Sim, dispensamos as outras meninas.

Graças a Deus.

— Que bom! — Me sinto aliviada. — Espero ter ajudado de alguma forma. Vocês já estão indo embora?

Mentalmente, começo a contagem regressiva para o lançamento da 'Nave Tai ' para o planeta chamado 'Minha Casa' em três, dois, um...

— Sim — responde Carla. — Mas Carlos quer nos apresentar os atores antes de encerrarmos.

Minha esperança quebra ao meio como um novo brinquedo barato.

Merda, merda, merda.

— É mesmo? — Minha voz sai aguda.

— Sim. Eu gosto de manter uma boa relação entre os integrantes da equipe.

Merdaaaaa.

— Isso é bom. — Minha língua parece mais mole que o normal e dança em minha boca.

— E por falar nisso, ali vêm eles.

Passos abafados vem de trás de mim. É o som do trovão anunciando a tempestade.

Por Trás das Aparências (RETIRADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora