|Capítulo 8 | I

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I.

Três anos antes

Meus pés se arrastam pela calçada do lado de fora da Trend.

Já é tarde, quase dez horas da noite de uma sexta-feira, e não há muito movimento na rua a essa hora, apenas alguns trabalhadores retardatários como eu.

E eu estou exausta.

Meu corpo dói como um inferno.

Minhas costas gritam por socorro por causa das caixas de equipamento que carreguei durante todo o dia. Evelyn foi muito dura nessa manhã, seu humor estava frio como de costume, mas existia um toque extra de aborrecimento sobre ele nessa sexta. Os últimos dias tem sido como um pesadelo e eu não sei porque ainda não me demiti. Quer dizer, eu sei: porque não posso ficar desempregada e voltar para o Brasil com o rabo entre as pernas. É por isso que eu aguento toda essa tortura, por culpa do dinheiro.

"Como todo trabalhador na face da Terra, Tatiana", meu cérebro zomba.

Eu preciso aguentar só mais um pouco, pelo menos até arranjar outro emprego e ficar livre de toda essa pressão, mas não tenho ânimo para remoer isso hoje.

Ajeito meu casaco pesado sobre o corpo e penduro a mochila em meus ombros. Tento não me mexer muito, porque não sei qual é a situação por de baixo da roupa.

Como eu disse, o dia foi longo para caramba.

Estou ansiosa para chegar em casa, tomar um longo banho quente e comer as sobras do jantar de ontem. Só de pensar a minha boca já saliva. A fome é tanta que até comida requentada parece o paraíso. Que deprimente.

Eu poderia sair com o pessoal para comer algo mais decente, Karen insistiu que eu fosse com eles até o bar no final da rua, mas eu não quero encontrar com Samwel nesse estado. Bem, eu não quero encontrar com Samwel em qualquer estado, mas vamos fingir que é só porque estou me sentindo um lixo.

Faz uma semana desde que nos falamos. Eu não o vi desde a última sexta. A imagem dele arremessando aquele celular com raiva está presa em meu cérebro como supercola que não sai dos dedos. Geralmente, acontece quando eu me pego sentindo a sua falta e isso só faz eu me sentir ainda mais estúpida.

Foda-se. Eu não quero pensar nisso novamente.

Olho para o chão, perdida em pensamentos e caminho para o ponto de ônibus. Distraída, não percebo um carro se aproximando, e, muito menos, ele me seguindo em baixa velocidade. Eu nem noto que o motorista me observa por um tempo, avaliando o meu andar e a minha postura cansada. Só tenho ciência de que alguém está perto quando uma voz grave diz ao meu lado:

— A mocinha gostaria de uma carona?

O som repentino me faz pular.

A surpresa atrapalha meus pés e eu tropeço um pouco para frente, quase caindo na calçada áspera.

O motorista solta uma risada e eu reconheço o timbre de imediato.

Merda.

— Samwel? — faço a pergunta antes de levantar os olhos e me deparar com seu rosto.

Ele está debruçado para o lado de fora da janela de um carro, sorrindo.

— Eu deveria te dar uma bronca, mas não consigo ficar sério com você tropeçando desse jeito — ele ri novamente.

Eu exalo e ponho a mão sobre o peito para acalmar a minha respiração. Eu estou ofegante. Eu levei um puta susto. Mas também porque estou vendo o seu rosto bonito depois de um tempo e isso mexe com algo esquisito no meu coração estúpido.

Por Trás das Aparências (RETIRADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora