II - Medicine Boy

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    Jason Yoshida conheceu o Medicine Boy em Agosto

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    Jason Yoshida conheceu o Medicine Boy em Agosto. Quatro meses atrás, quando as crises de insônia começaram. Nas primeiras duas semanas, Jason apenas aproveitou o tempo "livre" na madrugada para chorar. A mente e o coração do garoto estavam inquietos. A alma de Jason Yoshida doía. Doía porque o relacionamento de sua mãe e seu pai parecia finalmente ter chegado ao fundo do poço; doía porque James, seu irmão mais velho e único amigo já não voltava para casa sem estar chapado, isso quando voltava; doía por causa de seu rendimento escolar que estava cada vez mais em declínio; doía por se sentir tão insignificante no Planeta Terra  - ou melhor: na Via Láctea inteira, ou até mesmo no Universo. Jason Yoshida se odiava.

    Esses pensamentos que o torturavam ficaram apenas da sua cabeça até que, do domingo da terceira semana, estivesse tudo tão dolorido que ele sentiu vontade de desabafar. É claro que não faria aquilo com alguém. Resolveu desabafar com o papel. Com a letra fina e delicada, o japonês-americano escreveu, utilizando uma caneta azul bebê:

10 coisas que eu odeio nisso tudo

    Sim, esse foi o título, pois não sabia como denominar o "isso tudo". Não poderia definir como sua vida, seus pais ou até mesmo si próprio, porque envolvia isso e muito mais. Sendo assim, começou a listar:

1 - Odeio ser tratado como uma criança;
2 - Odeio James;
3 - Odeio os caras que vendem aquilo para James;
4 - Odeio Química, Filosofia e Biologia;
5 - Odeio Hiaboo;
6 - Odeio as brigas dos meus pais;
7 - Odeio meu nome;
8 - Odeio ser feio;
9 - Odeio insônia;
10 - Odeio ser inútil o bastante para não conseguir mudar isso.

    Então, depois disso, se jogou na cama e abraçou-se a Hiaboo, que o olhava da cama, enquanto escrevia, como se soubesse o que seu dono tinha escrito sobre si naquela agenda que mal usava. Ao olhar para o objeto, Jason Yoshida lembrou-se de que aquele era seu amigo e não deveria jogar a culpa de as coisas estarem dando errado nele.

     — Me perdoe por dizer que te odeio.   - Pediu, o garoto para o bichinho de pelúcia.   - Você não merece isso.   - Completou, deixando um pequeno oscilo no bico do pinguinzinho e, voltando a pegar a agenda e caneta usadas, riscou o ítem de número 5, logo o substituindo por algo que realmente o incomodava mais que depender de Hiaboo: ele simplesmente não conseguia encontrar Saturno.

ㄴ·ㄱㄴ°ㄱㄴ·ㄱㄴ°ㄱㄴ·ㄱㄴ°ㄱ

    Eram duas da manhã quando Jason Yoshida avistou o leve cintilar das estrelas iluminando aquele resto de noite. Seus pais não iriam gostar que ele saísse aquela hora, mas ele decidiu não se importar com permissões. Pegou o telescópio que seu pai havia lhe comprado quando tinha onze anos e pulou a janela, caindo nos arbustos ali próximos. Suas frágeis costas estavam doloridas, mas não a ponto de o fazer chorar de dor, tampouco de desistir de sua ideia. Levantando desengonçado, passou a mão delicada pela coluna espinal. Tratou-se de se esconder para esperar. Caso seu pai tivesse escutado o barulho que seu corpo gerou ao cair, com certeza sairia para ver o que havia acontecido.

    Lá encima, no segundo andar Yago Yoshida curvava suas costas já um tanto cansadas para fora da janela para poder ver o jardim. Ao não encontrar nada relevante, foi para a cama. Seu filho respirou fundo e dirigiu-se a parte mais alta do jardim. Pulou a cerca de casa e simplesmente correu, sentindo-se um pássaro livre, tendo cuidado apenas em não esbarrar com algo e despertar a vizinhança. Ao avistar o parque, passou o telescópio pelo arame enfarpado e, em seguida, fez o mesmo com seu corpo. Andava rápido, ansioso para encontrar o local exato onde as estrelas podiam ser mais visíveis. Cruzou com diversos galhos e afundou os pés na lama, já que havia chovido bastante mais cedo. Quando finalmente chegou ao seu ponto perfeito de sempre, notou um movimento estranho.

     — Quem está aí?   - Perguntou. Nunca havia assistido nenhum filme de terror na vida, então imaginava o quanto tão questionamento poderia ser idiota.

    Assustado, pegou um pedaço de madeira fino, que estava jogado no chão ali próximo e, pondo-se em posição de ataque, voltou a gritar:

     — Apareça, seja lá quem você for!

    Outro movimento e um vento estranho passou por suas costas. Voltou-se para onde tinha vindo e, então, sentiu alguns passos, quase silenciosos, pisando com firmeza o chão molhado atrás de si. Preparando-se mentalmente, fechou os olhos, apertando as pálpebras e com um movimento brusco, acertou o ser atrás de si. Sentiu que acertou o alvo e ouviu o barulho do galho se partindo em dois. Só então, virou e observou o que parecia lhe perturbar. Lá no chão enlameado estava caído um ser de olhos puxados, cabelos lisos, negros e levemente longos na frente. Do rosto, escorria um longo filete de sangue, mas não parecia grave. Vestia uma roupa branca imunda, parecendo ter passado por vento, chuva, sol e poeira. Farrapos em forma de túnica.

     — Quem é você?   - O mais velho perguntou.

     — Eu sou o único que pode curar você. Eu sou o Medicine Boy*.   - Falou, enquanto o sangue escorria das bochechas para os lábios.

    Jason se agoniava com a calma da criança, que em vista a opção de chorar o machucado, preferiu sorrir minimamente para o outro.

     — Eu vou embora!   - Anunciou, pegando o telescópio que havia deixado no chão.

     — Por que?   - O outro perguntou, sentando-se. Algumas gotículas de sangue tocavam a túnica branca.

    — Mamãe e papai disseram para não falar com estranhos.   - Disse rápido. Suas pernas bambeavam e um arrepio subiu-lhe a espinha, por algum motivo misterioso. Não deveria ter medo de alguém tão pequeno. Mas antes que corresse foi impedido pela frágil e doce voz.

     — Eu te conheço mais que qualquer um, Jason Yoshida.


*Medicine Boy - trocadilho com medicine man, em português: curandeiro.

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