III - O Jeito Que a Banda Toca

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Depois daquelas palavras, Jason Yoshida congelou

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Depois daquelas palavras, Jason Yoshida congelou. Os lábios levemente grossos e dedos delicados tremiam

— Co-como...você... - Gaguejou, assustado.

— Ainda é muito cedo para que possa entender. - O menor falou, como um filósofo romano, apesar de não aparentar mais de nove anos.

E aquelas foram as últimas palavras que o mais velho ouviu antes de sair correndo, tropeçando nos próprios pés, caindo e sujando o seu pijaminha de lama.

Ao chegar em casa, lavou a roupa e secou-as com o secador de cabelo para não levantar suspeitas a seus pais. Depois, correu para o quarto e, pegando Hiaboo, se escondeu nos cobertores.

"Raíz de 1 é 1; raiz de 4 é 2; raiz de 9 é 3; raiz de 16 é 4..."

O menino repetia para si mesmo, enquanto agarrava o pinguim azul claro em seus braços como se fosse a coisa mais preciosa do mundo e escaparia de seus braços a qualquer momento.

Tinha essa mania desde os quatorze anos. A última vez em que frequentou o "médico de cabeça" como sua mãe chamava, na época, foi há dois anos atrás. Ele disse que quando estivesse assustado, contasse ou fizesse operações matemáticas para se concentrar em algo que fugisse do foco de seu medo. E foi assim que parou de bater na porta do quarto de seus pais, quando tempestades caíam do lado de fora de sua casa.

E naquela noite, Jason Yoshida permaneceu acordado.


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Jason Yoshida não tirou aquele garotinho esquisito de roupas sujas e antigas de sua cabeça, durante a aula inteira. Sequer conseguiu dormir durante a aula de filosofia da Senhora Sparks, uma descendente de espanhol, que tagarelava sobre Sócrates e Platão pela milésima vez no ano. E isso quase não é uma hipérbole! Juntando o sono com o desinteresse na matéria, sua nota no último teste gerou um grande e belo C-, o equivalente a aproximadamente cinco, caso você, meu caro leitor brasileiro, não entenda deste sistema de notas americano.

Se continuasse assim, isso geraria um belo F-, o equivalente a 0, onde vocês moram.

E em meio a tudo, pensou em como as pessoas eram classificadas por letras e números. As letras que antes serviam para escrever palavras se transformaram em números. Quantidades e quantidades de números movem o mundo. O PIB de um país, sua renda per capita e o quanto outros países lhe pagam é o que o torna uma potência. A quantidade de potências é o que torna um bloco econômico poderoso. O quanto você ganha por mês define o quão feliz você é. Mas ninguém se importa com o número de pessoas que morrem de fome por dia, nem na quantidade de jovens que se suicidam, ou mortes por violência. Porque, no fim das contas, quantidades são boas apenas quando envolvem dinheiro e poder. Ao menos é assim como o carinha da esquina pensava. Não ligava para quantidade de lágrimas que ele derramaria de uma família, se arrancasse uma boa quantidade do jovem universitário de vinte anos brigado com essa família desestruturada, porque este o procurava ao menos duas vezes por semana. Porém, esse mesmo carinha ligava bastante para quantidade crescente que o tal comprava de seu produto.

Saiu de seus desvaneios quando o sinal tocou. Finalmente o bendito horário de almoço havia chegado!

Pôs uma maçã e uma caixinha de leite na bandeja. Uma combinação um tanto diferente para muitas pessoas, mas era o que comia quase todos os dias, esperando que isso suprisse todas as suas necessidades, já que não tomava café da manhã e quando chegava em casa apenas se alimentava quando acordasse à noite.

Passou pelas mesas de Lucy e Joey. A garota lhe lançou um sorriso mínimo, ao qual ele retribuiu com bico emburrado nos lábios, que permaneceu ao ver o garoto acenar suavemente. Eles tinham que entender que não era assim que a banda tocava.

Parou na mesa onde os garotos da banda da escola se juntavam e puxou a cadeirinha perto de Eliete, uma intercambista francesa com quem havia feito o trabalho de matemática, na última semana. Ela era esquisita. Falava demais e respondia as próprias perguntas. Talvez por isso tenha a achado uma pessoa, não legal, mas suportável.

— Olá, Jason Yoshida! - Todos o comprimentaram, em um coral que fez com que os ouvidinhos do menino doessem.

Ele lhes lançou um sorriso amarelo e colocou os fones, que tocavam uma música instrumental de melodia calma e melancólica.

Era sempre assim. Se infiltrava como um intruso em todo lugar. Na mesa dos projetos de técnicos de informática, na mesa dos góticos, com os emos e com as patricinhas. Até sentou com os jasons loiros esportistas e seus amigos que seguiam seu estereótipo. Era como se fosse amigo de todos e não fosse amigo de ninguém.

Após comer rapidamente os ítens de sua bandeja, deitou a cabeça sobre os braços, na mesa, escondendo o rosto entre eles. Um ato estranho o assustou. Mãos levemente gordinhas afagavam os fios grossos de sua cabeça. Aquelas mãos eram da francesa esquisita, sabia disso. Não era acostumado com esse tipo de carinho físico, mas não se incomodou muito. Apenas fechou os olhos puxados e úmidos para se desligar daquilo tudo e sentir o carinho afetivo.

Mal podia esperar para ir para casa.

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Apesar da ansiedade por sua cama, Jason Yoshida não dormiu muito durante aquela tarde. Foram apenas três horas do momento em que se jogou na cama para o momento em que acordou.

À noite, colocou Hiaboo na mochila, engoliu alguns pedaços de tempura que seu pai havia preparado e mentiu sobre ir estudar na casa de um amigo, avisando que poderia chegar tarde e até mesmo dormir lá.

Havia deixado o telescópio no parque e tinha que ir buscar -. Ao menos era isso que usava como desculpa para si mesmo. No fundo, bem lá no fundo, sabia que o que realmente queria era vê-lo outra vez.

Correu através das árvores, com os cabelos escuros esvoaçando no vento daquela noite clara, mas gélida, e chegou naquele mesmo ponto de alto relevo. E lá estava ele, trajando as mesmas vestes imundas e desprovidas de cores. E lá também estava seu telescópio. O garoto olhava através da lente, como se conhecesse o objeto como a palma de suas mãos, o céu azul muito bem desenhado de estrelas. Um sorrisinho brotava de seus lábios pouco grossos.

— Eu o encontrei!

AS NOITES EM CLARO DE JASON YOSHIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora