"Seria esse o gosto da morte? ", era o que Daniel Viana pensava enquanto inconsciente. E já não era a primeira vez. "É esse o cheiro da morte? ", quem sabe o cheiro da bebida? "Seria essa a música que tocam quando recebem os seus mortos? ", era o que o doutor pensava enquanto ouvia todo aquele cochicho, aquele barulho. "Como estou cheio de perguntas", foi a conclusão a que chegou depois que tudo parara. Ele não se movia, ele não podia falar, não sentia dor. Apenas se lembrava. Uma branquidão preenchia a sua visão enquanto dormia um sono dos mais pesados.
Sem motivo, toda aquela branquidão começa a mudar, como a luz branca ao tocar um prisma. E tudo mudou. A cor surgia aos montes, embaralhada, para ir se separando aos poucos. Depois das cores, formas apareciam em todo o redor, com rostos, bocas e expressões confusas, além de algumas poucas que ia discernindo. Um toque de movimento as cenas. E, por fim, o som dá emoção às imagens, tímido em meio a névoa. Das mais variadas, bem programadas e reais visões, ao máximo que poderiam. E, aos poucos, passou a ver.
No meio da bebedeira, dos tropeços e dos desmaios, uma chama, e dessa chama a fumaça. Muita fumaça subia da esquina, sirenes de ambulâncias e de viaturas se misturavam dentre os murmúrios e gritos de quem passava por ali. Há muito tempo o terror não assolava aquele bairro pacato. Carros paravam próximos dali e seus condutores saíam para ver de perto o que acontecia, vizinhos gritavam por socorro e os bombeiros estavam atrasados. O clima perfeito para o caos.
Nem mesmo os policiais podiam se aproximar do acidente. As chamas já haviam se alimentado das árvores e podado a alta grama, e agora lambiam a calçada. Alguns minutos de tensão depois, vizinhos corriam para suas casas em busca de baldes d'água que não impediram o perigoso avanço do fogo. E o calor continuava a subir. A casa já estava encoberta, restando apenas parte do telhado que lutava pela sobrevivência, apesar de qualquer ação agora ser tardia. Já não se podia salvar quem quer que estivesse ali e por isso amigos íntimos choravam.
No horizonte, via-se um homem com uma garrafa de uma bebida qualquer na mão, a qual deixou cair logo que seus olhos atingiram a silhueta negra do imóvel. Ele correu o máximo que pôde em direção à tragédia, mesmo que mancando, para que logo que se aproximasse da grama quente fosse puxado e fortemente segurado pelos policiais. Gritava, chutava e tentava se afastar das mãos que o prendiam, mas no fundo sabia que nada mais poderia fazer. Por um momento ele rezou, por um curto período, não maior do que poucos segundos, acreditou em Deus, o que muitos fazem durante o desespero, mas nada poderia ajudá-lo. Nenhum Nobel, nenhuma máquina do tempo, nenhum diploma, trariam de volta o que ele perdera ali. Não poderia voltar.
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Depois de Nós
Science FictionUm grupo de quatro pessoas volta no tempo de 2005 para 1989 e, enquanto desvendam uma série de mistérios, tentam finalmente fazer as pazes com os seus passados.