Dia 06 de agosto de 1987

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Casa. Nuvens cinzas manchavam o belo céu de domingo e o dia rapidamente se tornou noite. Ainda não chovia, mas as folhas das árvores que decoravam aquela esquina pareciam pesadas e murchas e galhos pendiam frouxos. A grama verde precisava ser aparada, dava um aspecto de abandono ao lugar, além de as paredes estarem cobertas de lodo, resultado de chuvas antigas, porém as janelas permaneciam limpas e brilhantes, e, dentro de um dos cômodos da casa, uma luz acesa.

- A gente precisa aparar a grama logo, Dan.... – Falou Michele – é ridículo e os vizinhos não param de olhar para cá....

- Amor, se cortarmos a grama vai querer que eu limpe o lodo da parede também e eu não tenho tempo para isso.

- Por favor? – Olhou para ele.

No quarto, Michele se olhava no espelho, vestida com um moletom verde escuro, calça jeans, cabelo solto e bagunçado, e descalça, Daniel estudava mais e mais rascunhos, sentado em sua cadeira de frente à uma escrivaninha. Usava uma camiseta branca suada, sua barba já estava grande, porém mais apresentável que a grama na fachada. No quarto havia uma cama de casal, a escrivaninha cheia de papéis, um guarda-roupas usado, um espelho oval, maquiado por dezenas de fotos, e a poeira no chão. Era uma casa pequena de um único andar, com pequenos cômodos, sendo a sala mais espaçosa que o próprio quarto. Ganharam-na de presente de casamento, uma contribuição conjunta dos pais de ambos, o que deu muito certo.

- Depois a gente pensa nisso, tá? – Suspirando, sem tirar os olhos da pesquisa.

- Amor?

- Que foi?

- Acho que eu engordei.

- De novo com esse papo, Michele?

- É sério! – Ela ficou de lado em frente ao espelho – Está vendo?

- Não, querida, não tem nada aí.

- Mas nem está olhando! – Ele se virou.

- O problema é esse moletom verde. – Suspirou outra vez – Está fazendo quarenta graus lá fora, dá pra tirar isso?

- Sabe que eu gosto. – Sorriu.

- Ok, - voltou para a pesquisa – faz o que você quiser.

Ela saiu da frente do espelho e se dirigiu a cadeira em que ele estava sentado, colocou as mãos quentes em seus ombros tensos e desviou o olhar para as anotações.

- O quê que é isso aí?

- Um projeto novo.

- Que é?

- Acelerador de ondas. – Silêncio por uns segundos – Transmite mensagens à longas distâncias.

- Puxa! – Ela massageou seus ombros – Não é muito complicado?

- Só falta a grana.

Ele permaneceu parado na cadeira, assim como o lápis pela metade em sua mão. Soltou o lápis sobre a mesa, que escorregou até atingir o chão sujo, passou as mãos pela cabeça, limpando todo o suor acumulado entre os fios, depois respirou fundo mais uma vez e se levantou, indo em direção à porta.

- Onde você vai?

- Lá fora.

- Fazer o quê?

- Me lavar com a chuva.

- Não está chovendo, Daniel.

- Mas vai chover! – Já havia saído do quarto.

- Tenho que te entregar uma coisa antes!

- O quê? – Gritou da sala.

- Por favor, volta aqui. – Disse em voz baixa, mas ele escutou.

- O que foi, Michele? – Apoiou o antebraço na entrada do quarto.

Ela se sentou na cama e, sem nada dizer, esperou que ele se aproximasse. Depois que ele também se sentou, Michele se agachou e procurou por algo que estivesse em baixo da cama e assim que encontrou colocou sobre a mesma. Algo embrulhado em papel de presente.

- O quê que é isso?

- Não quer abrir para ver? – Ela estendeu o presente.

- Meu aniversário é daqui um mês. – Rasgou o papel – Por que me deu o presente hoje?

- E não gosta de ganhar presentes? – Sorriu.

- Claro que gosto! – Tentou sorrir, mas o seu riso não convencia.

- E aí? – Mordeu o lábio - Gostou?

- Claro que eu gostei. – Sorriu um sorriso brilhante.

- E tem tudo a ver com o seu projeto, eu acho.

- E por que me deu hoje?

- Para você ouvir quando eu não estiver perto. – Sorriu novamente.

- Obrigado, amor. – A beijou.

Daniel saiu da casa, ligou o fone ao Walkman que ganhara e passou as próximas horas sozinho debaixo de uma árvore murcha enquanto a chuva não vinha.

E a visão se foi.

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