Tomás foi levado para a UTI, perdeu muito sangue com os disparos e todos ficamos muito preocupados com o que poderia acontecer em seguida. Ainda na discoteca, logo depois dele ser baleado, um grupo de policiais atiraram granadas de fumaça no salão e em seguida entraram, com máscaras. Dois dos atiradores foram mortos, mas Fuinha e os outros dois acabaram em cana. As coisas aconteceram bem rápido e tudo que conseguimos fazer ali, tudo que eu consigo me lembrar, é que nos escondemos atrás do sofá e o advogado puxou Benito para perto, depois não se via nada por causa da fumaça e o que se ouvia eram vários disparos ininterruptos. Quando tudo acabou, gritamos por socorro e nos levaram para o hospital o mais rápido que puderam. Examinaram a todos nós, mas, além de alguns cortes, ninguém sofreu nada tão grave quanto Tomás. Três tiros: no ombro direito, na coxa esquerda e ao lado do estômago; por sorte, nenhum atingiu alguma artéria. Lá para as cinco da madrugada, fui visita-lo.
- Ei, rapaz! – Me sentei ao lado dele, na cama – Como está se sentindo?
- Furado? – Sorriu – Acho que é a palavra certa. A enfermeira disse que eu vou sobreviver.
- Isso é bom.
Esperamos quase seis horas sem recebermos nenhuma informação, eu fui o primeiro a visita-lo e tudo o que disseram foi "está estável", como se resolvesse alguma coisa.
- Nem tanto... – sua voz estava fraca – deve me querer morto.
- Não! – Bem surpreso naquela hora – Por que acha isso?
- Bom, eu...eu te convenci a ir para lá, eu te fiz a proposta...- parecia meio confuso – imagino como deve estar sendo difícil...para você...
- Todos passamos por dificuldades, garoto. – Pus a mão em seu braço – Não quer dizer que não possamos conviver com elas, não é?
- Claro. – Fez uma careta – Por favor...chame a enfermeira, estou com muita dor...
- Enfermeira!
- Pois não? – Ela entrou no quarto.
- Será que poderia dar um analgésico para ele?
- Só um minuto, senhor. – E se retirou.
Continuei ali, o observando, enquanto ele olhava para o teto. Parte do seu cabelo ainda estava suja de sangue, usava um daqueles aventais de TNT azul, seu ombro foi enfaixado com gaze, recebia sangue de uma bolsa pendurada ao lado e seu semblante não transmitia muito, parecia estar morto e pronto para ser embalado. Até que, olhando para aqueles olhos absortos, me veio uma coisa à mente.
- O que aconteceu no dia 30?
- Por que...por que essa pergunta agora? – Seus olhos começavam a brilhar e ele gaguejava.
- Por favor, - meus olhos passavam uma pena que eu não pretendia demonstrar – me conta.
- Não.
- É difícil para mim também, mas precisamos fazer algo quanto ao passado.
- Parece tão presente quanto o agora.
- Olha, eu sei que... – fui interrompido pelo retorno da enfermeira.
- Trouxe o seu analgésico, garotão! - Ela estava com um frasco na mão e uma injeção na outra, puxou o líquido com a agulha e aí eu percebi.
- Espera. – Segurei o braço da enfermeira antes que aplicasse a injeção.
- Senhor, preciso fazer o meu trabalho.
- Não, não! Olha o frasco, é para uso oral. - Ela olhou para o frasco e constatou o que eu falei, pareceu tão culpada quanto deveria estar.
- Meu Deus! Meu Deus, me desculpa, por favor me desculpa?! – Ela chorou – Me desculpa, por favor?! É o meu primeiro dia e....por favor, me desculpe?
- Não, tudo bem! Não precisa disso, é só...trocar o frasco. – Sorri.
- Tudo bem, tudo bem...
Ela saiu do quarto repetindo as mesmas palavras e secando as lágrimas com a manga do jaleco. Tomás parecia agora tão assustado quanto eu estava e permanecemos nos olhando de olhos arregalados por alguns segundos, terminando com um "obrigado" que ele balbuciou.
- Eu...gostava de observar as formigas. – Foi o que disse depois, com muito cansaço na voz.
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Depois de Nós
Science FictionUm grupo de quatro pessoas volta no tempo de 2005 para 1989 e, enquanto desvendam uma série de mistérios, tentam finalmente fazer as pazes com os seus passados.