Dia 26 de agosto de 1989

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- Como pode dizer que ela não é culpada? – Dentre as histórias, acho que essa me chocou mais. Pensar em tudo aquilo me deu náuseas e não me esqueceria daquelas imagens facilmente, com elas agora tão nítidas na minha mente. Sei que é difícil para ambos os lados, mas acho que a criança envolvida deveria ser a prioridade no meio de tudo isso e parece que nenhum dos pais levou isso a sério. – Ainda não sacou que você só está nessa cama por culpa dos seus pais?

- Eu quis estar aqui, doutor...

- Não, não, não! Devíamos estar em 2005, eu com as minhas pipocas e você com suas camisetas engorduradas.

- Pensei que o motivo da volta estivesse bem claro para você, doutor, já que perdeu a pessoa que mais amava. Será que não pode encarar isso como um recomeço?

- Não é um recomeço, é um vício que já era pra termos esquecido. O que você passou naquele quarto não é menos doloroso do que eu passei com a minha esposa!

- De qualquer forma, é evidente que eu sou a principal causa de tudo isso, basta abrir os olhos para ver que eu trouxe todos p...

- Para com isso!

- Não entendi, senhor Viana.

- Para de se culpar por tudo, você não é o centro do Universo! Existem também outros fatores que influenciam no resultado final, seja ele bom ou ruim. O que aconteceu naquele quarto já aconteceu, interessa o que vai fazer depois que sair dessa cama.

- Engraçado.

- O quê?

- É engraçado você falar de superação quando ainda está preso àquela casa em chamas. – Com esse último comentário e com uma testa bem franzida, ele queimou todos os argumentos que eu dei e que poderia dar, meus ombros caíram e minha cara de surpreso, já não mais tão rara, voltou a aparecer.

- Eu vou ir tomar um ar.

- Não consegue lidar com isso também, doutor?

Abri a porta do banheiro com violência e assustei todos ali dentro, mas não me importava. Enchi minhas mãos com água e enxaguei meu rosto inúmeras vezes para tentar evitar as lágrimas, quando me vi no espelho, já não era mais o mesmo. Fora o meu rosto, todo o resto parecia embaçado, como desenhar num espelho depois de um banho quente e prolongado, e vi marcas que não existiam minutos antes. Alguns fios brancos, pequenas rugas ao lado dos olhos, meu nariz tinha mais incontáveis poros, minha boca estava ressecada, a testa, marcada, as pálpebras um pouco caídas e minhas sobrancelhas bagunçadas. Parecia mais velho do que realmente era, ou do que achava que fosse. Aparentava bem mais perto dos 60, mas eu não me sentia com essa idade, era como se eu tivesse dormido 10 anos e visse meu reflexo depois de acordar. Desviei o olhar rapidamente e saí do banheiro.

Me direcionei à recepção com o coração disparado e sem saber ao certo o que estava acontecendo, como se retornasse ao elevador em chamas. No caminho me deparei com alguém que eu não queria que estivesse ali.

- Você!

- O quê que...

- O que você fez comigo, Baltazar?! – Peguei ele pelo colarinho da blusa de grife que usava.

- Eu não sei! Eu juro que não sei!

Ouvindo os berros, rapidamente Carlos e Bianca apareceram para nos separar e suas expressões de confusão ficaram mais evidentes do que as minhas próprias. Ainda usavam as mesmas roupas da última noite, mas agora sujas, manchadas e amarrotadas.

- Eu quero respostas, Baltazar!

- Bom, – sorriu - não mais do que eu. – E eu o derrubei com um soco.

Depois de NósWhere stories live. Discover now