- Eu aceito. – Marcos disse.
Estávamos todos na sala de reuniões no último andar da casa principal e, como sabe, já não era a primeira vez que passávamos por ali. Havia algo de atípico naquele dia. As cortinas da grande janela que dava vista para a entrada da casa permaneceram fechadas e as luzes do cômodo acesas. A porta de entrada, também fechada, aumentando ainda mais o suspense da cena. Cheguei a acreditar que teríamos ali uma sessão de Tarô ou leitura das mãos, qualquer coisa do tipo, apesar de, no lugar de cartas, estarem rodas de rolimã sobre a mesa. Mas ele tinha nos reunido ali por outros motivos.
- Aceita?
- Sim, eu aceito. Decidi que estou pronto para encarar isso pela última vez.
- O quê?
- Ora, vocês sabem muito bem o quê! Não me façam ter que dizer de novo.
- É sobre... – Bianca apontou para a cabeça.
- É claro que é sobre isso, menina burra. O que pensou que fosse?
- Achei que queria algo mais picante com essas cortinas fechadas e todo esse clima. – Provocava Carlos enquanto Marcos reprovava com seu olhar.
- Eu não acho que nós sejamos qualificados para isso, senhor... – Tomás.
- Não falo com você. – Ele apontou para a psicóloga – É com ela. O que me diz, garota?
Passamos um momento calados esperando algum tipo de reação, mas ela não veio de nenhum dos lados. Bianca arranhava com a unha a parte de baixo do tampo da mesa, mas seu semblante não aparentava nervosismo. Até que, de repente, ela pôs as duas mãos sobre a mesa e disse:
- Vai ser difícil eu aceitar.
- O quê?
- Acontece que você deveria se encontrar com um psiquiatra, é o melhor para você. Além do mais, eu não tenho autorização para atuar como psicóloga aqui e nem para te passar uma receita.
- Então isso termina aqui. – Ele abriu as cortinas. – Podem voltar aos seus quartos ou dar uma volta por onde quiserem, sintam-se à vontade.
- Não tem nada mesmo que você possa fazer? – Tomás cochichou para Bianca, mas antes que ela respondesse, Marcos rebateu.
- Não. Agora não precisa mais. Nem sei porque perco meu tempo...
- Tem algo, sim, que eu possa fazer. – Ele parou no caminho para a porta, de costas para nós e não respondeu – Bom, nós poderíamos conversar e, quem sabe, poderia te ajudar a esclarecer os seus sentimentos ou as suas angústias. Mas com remédios eu não posso.
- Podem ir. – Ele abriu a porta – Menos a doutora.
Saímos sem reclamar, mas confesso que pensei em olhar para ela imaginando que receberia algum tipo de confirmação de que estaria bem depois que saísse, mas resolvi não fazer. A única coisa que restou da sala foi o barulho da porta batendo atrás de nós.
Lá embaixo, decidi tomar o café da manhã, já que ainda era por volta das 8 horas. Liguei a TV e retomei meu velho ritual matinal, agora com suco de laranja e misto quente.
- Em 21 de março deste ano, caiu em Guarulhos, São Paulo, um Boeing 707 do voo 801 da Transbrasil, ocasionando a morte de 22 pessoas e dos três tripulantes em terra, além de ter ferido mais de cem pessoas. – Um repórter falava na TV. – Veja agora o estado psicológico dos moradores da região após 5 meses da tragédia.
Enquanto assistia à reportagem e lanchava, começava a me lembrar, afinal era isso o que fazíamos ali. Me lembrava das manhãs frias de domingo quando repetia o mesmo processo, mas ao lado de outra pessoa. O engraçado é que, mesmo depois de passar por tantas coisas, eu terminava assistindo à televisão sozinho no sofá. Mas, ainda pensando a respeito disso, percebi de relance as chaves de um Porsche sobre a mesa, junto do alarme do carro, e vi a minha frente tantas possibilidades que seria impossível enumerá-las. Quem sabe quantos perigos me aguardavam? Talvez eu estivesse errado, mas que mal faria? Aí eu peguei as chaves.
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Depois de Nós
Science FictionUm grupo de quatro pessoas volta no tempo de 2005 para 1989 e, enquanto desvendam uma série de mistérios, tentam finalmente fazer as pazes com os seus passados.