Muito barulho vinha de algum lugar que ainda não se podia ver. Barulhos de carros, assobios de pássaros, ruídos de máquinas, o som do toque às folhas de um livro antigo, o giz esfarelando no quadro negro, um som que Daniel não esqueceria facilmente. Por fim, o som de uma porta de madeira pesada sendo aberta, e aí as coisas se tornaram mais claras, como sair de uma caixa escura depois de muito tempo.
-...quase como uma visão! – Daniel – Reitor...tem que confiar em mim!
- Eu confio, Daniel, eu confio.... – Se sentou no seu cadeirão e juntou as mãos sobre a mesa. Não pareceu muito firme quanto ao que disse. – Mas não nesse projeto.
Na sala de diretoria da universidade existia uma janela de onde se via prédios onde se davam as aulas, alunos saindo com suas mochilas e livros, e carros passando na avenida logo à frente. Dentro da sala, as paredes eram pintadas de branco, uma foto com toda a equipe de professores estava emoldurada ao lado de uma estante, cheia de livros, enciclopédias, dicionários e todo tipo de pequenas esculturas e objetos. Sobre a mesa, um álbum de fotos fechado, uma garrafa de água pela metade, um porta lápis, pó de borracha e a borracha. Na cadeira, o Reitor, com um semblante não tão bom.
- Mas tem tudo para dar certo, só preciso de uma equipe, do investimento e do laboratório. – Enquanto falava, gesticulava de todas as maneiras possíveis. – É viável!
- Para mim não. – Se levantou e apoiou a mão direita no ombro do professor. – Escuta, sabe que estamos passando por momentos difíceis, não temos o dinheiro necessário e outra, você não está em condições.
- Não estou em condições? – Se afastou – Do que você está falando?
- Está obcecado, Daniel. – Voltou a se sentar – Não está em condições.
- A obsessão é necessária, sabe disso!
- Mais criatividade e determinação, menos obsessão.
- Do que você tá falando, Roberto?
- Sua vontade não está acima de todo o resto! – Silêncio. Respirou fundo – Tenho um pessoal para coordenar aqui, - apontou para a mesa – não posso abrir mão disso.
Há alguns meses, Daniel insistia na iniciação de um projeto relacionado ao transporte de informações através do espaço. Acreditava que as ondas poderiam ser aceleradas, à tal ponto, que ultrapassassem todas as barreiras. Queria acessar centenas de milhares de anos-luz para além da Terra, transmitir sinais no espaço à possíveis seres extraterrestres e também receber sinais, poderia agir até como um rastreador, ou, quem sabe, tornar possível o estabelecimento de conexões diretas entre passado e futuro. Mas Roberto não pensava assim. Era um homem da administração, sua mente se encontrava sempre no futuro e, segundo ele, a universidade estava a poucos passos da falência, e não via o porquê da realização de um projeto tão arriscado àquela altura do campeonato. Não agia por impulsos.
- Não vejo utilidade no seu projeto, essa é a verdade.
- O quê?
- Não sei agir por impulsos, professor, já disse, é um projeto arriscado e não temos verba suficiente...
- Projeto arriscado? – Gritou – Eu tenho todas as anotações, os cálculos, tudo, tudo está pronto, só preciso...
- Só precisa da grana que eu não tenho. – Respirou fundo mais uma vez. Se levantou e começou a procurar algo em meio aos livros da estante. – Estava aqui em algum lugar...ah, aqui está.
Ele retirou um álbum da estante, onde na capa estava escrito "1980-1990", abriu em uma página bem no início do livro e apontou para vários artigos, todos sobre Daniel. "Mais novo PhD em física do estado se forma na Federal", era uma das manchetes, "Federal é a maior investidora em pesquisas no Estado", "UF recebe cheque de 10 milhões para o investimento em pesquisas", "O PhD em física, Daniel Viana, fala sobre como é coordenar as pesquisas" e as manchetes continuavam, assim como as várias fotos.
- Está vendo, Daniel? – Continuava a virar as folhas – Vê o ano em que foram publicadas? – Fechou o álbum – Isso foi em 81, a mais recente é de 83. Você não produziu mais nada, você nem sequer se empenha nas aulas, Daniel...
- A gente pode fazer de novo e eu...eu posso continuar dando as aulas como dava antes e....
- Eu vou tentar explicar melhor. – Se aproximou – Se temos uma fábrica, mas as engrenagens não funcionam, a fábrica para de produzir. Se temos um Estado, mas não temos trabalhadores, o Estado quebra! – Aumentou o tom – Se temos uma Universidade, mas não temos os professores certos, param de estudar nela! – Olhou nos olhos do professor – Você está quebrado, Daniel.
O doutor olhou mais uma vez nos olhos do Reitor sem entender ao certo o que se passava ali, antes de sair da sala sem fechar a porta. Continuou andando até a avenida e não parou até chegar à porta de um bar, entrou ali e se embebedou. Isso durou mais três longos anos.
E a visão se foi.
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Depois de Nós
Science FictionUm grupo de quatro pessoas volta no tempo de 2005 para 1989 e, enquanto desvendam uma série de mistérios, tentam finalmente fazer as pazes com os seus passados.