Estranho - Parte II

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Na noite anterior, finalmente haviam abandonado os cavalos, e Lyanna sentiu-se aliviada por estar a pé, mesmo com a bota de couro larga lhe incomodando. Amava cavalgar e apostar corrida com os irmãos, mas a viagem fizera odiar o balanço, a câimbra, a dor no lombo e o barulho dos cascos, e nada lhe fez mais feliz no momento do que sentir terra firme debaixo das botas. Ainda sentia-se enjoada, com o corpo pesado e queria apenas dormir. Espinho e os outros dois homens foram pagos em ouro pelo líder, e então seguiram seus caminhos. No dia seguinte, Lyanna vira a Fortaleza Vermelha com os próprios olhos. Porto Real cheirava a pessoas, muitas pessoas juntas, e a algo peculiar que era o contrário de perfume de flores e óleos essenciais.

Ela e o homem visitaram três estalagens diferentes, que ele julgou como sendo inapropriadas e, na quarta estalagem, depois de pagar uma bolsa gorda de ouro e sussurrar palavras ao pé do ouvido do dono, eles entraram pela porta dos fundos, e passaram algumas noites no local. Lyanna não se esquecera do ouro do homem, e a loba chegou a duas conclusões: que o homem era nobre e muito nobre, de alto nascimento, ou havia roubado de um.

- Há água na banheira. Poderá tomar banho, ficarei observando para que não fuja. – o homem disse, com um meio sorriso.

- Não vou tomar banho com um esquisito como você me olhando. Vou suja até Dorne! – Lyanna disse, irritada. – Se te deixa menos desconfiado, estou cansada demais para tentar fugir, não me sinto bem. Profundas olheiras circulavam os olhos acinzentados da loba, parecia que não dormia há anos.

O rosto do homem se fechou em preocupação. Andou pelo quarto da estalagem, deu uma olhadela pela janela e então ficou de costas para Lyanna.

- Seja rápida. – disse.

O Sol invadia a janela da estalagem e refletia na água turva da banheira onde Lyanna estava. A tarde logo terminava. A loba deixou o corpo escorregar para o fundo da banheira, enquanto a água invadia seus ouvidos. Abriu os olhos de baixo d'água, e viu o reflexo borrado do Homem. Levantou num pulo e cobriu os seios. – O que está fazendo!?

- O Homem corou, e virou-se novamente. – Pensei que havia desmaiado. Desculpe-me.

Lyanna pensou em tudo que aconteceu nos últimos dias, até chegar naquele momento, e pôs-se a rir histericamente. Quando deu por si, estava dando altas gargalhadas que ecoavam pelo aposento enquanto seu corpo se sacudia dentro da banheira, derrubando água pelo chão.

- Irá chamar a atenção! – o Homem disse num susssuro – Do que está rindo? Ficou louca?

- Sempre quis viajar pelo mundo, sair do Norte e conhecer outras cidades. Percebi que agora posso riscar lugares de minha lista, graças a desconhecidos que me raptaram. – a loba voltou a rir.

Terminou seu banho, e encontrou uma escova no canto do quarto, que usou para pentear seus fios negros e embolados. Prendeu os cabelos com um pedaço do cadarço da bota para que não embolassem mais. Sem opções, teve que vestir as mesmas roupas nojentas que o Homem lhe deu na viagem. Apagou na confortável cama de penas, presente do dono da estalagem após receber a gorda bolsa de moedas. Não se importou com o Homem lhe observando, estava cansada demais para isso. Antes de se perder em sonhos, lembrou-se de Robert e das noites que passaram. Queria visitar Porto Real com ele, com a comitiva da casa Stark e os senhores do Vale. O Rei Aerys faria um torneio na capital, e eu viajaria com Rob para vê-lo competir. Poderia me disfarçar de cavaleiro outra vez...

Quando a luz do luar iluminava a cidade, o Homem decidiu que podia por algumas horas, finalmente, deixar de tomar a poção que guardava na pequena bolsa que carregava consigo, e lhe fazia mal a cada gole. Pagou caro nela, um feiticeiro de Essos vendeu-a, e advertiu que o uso não faria bem à longo prazo, mas arriscou-se mesmo assim. O escuro ocupava a maior parte do aposento, e apenas a lua brilhava gorda e redonda pela pequena janela. A luz tocava o rosto do estranho homem. Bêbados cantavam no andar de baixo, e era o único som que se ouvia na estalagem.

O homem estava sentado na beirada da cama, enquanto olhava fixamente para as mãos trêmulas. A cor de seu cabelo e feições no rosto, que Lyanna tentou a todo custo reconhecer na viagem, foram lentamente abandonadas por longas madeixas loiro-platinadas. Um púrpuro nos olhos surgiu entre a escuridão e, então, era Rhaegar Targaryen que observava Lyanna Stark ressonando na cama.

Falsa PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora