Paz na tempestade

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Seus olhos abriram e Ned Stark estava lá, parado como uma estátua em sua frente. Precisou de alguns segundos para perceber que estava em Ponta Tempestade, no seu antigo aposento. Conseguia ouvir as ondas batendo na muralha.

- Quanto tempo? – Robert tentou se levantar, mas os braços fraquejaram. Tentou novamente, e sentiu uma pontada na costela, e então desistiu. – Deuses! Por quanto tempo eu dormi?

- Por muito tempo. – Ned respondeu. Estava com o rosto mais cansado e pálido do que Robert se lembrava e se assustou, mas se ele tivesse algum reflexo seu naquele momento também se assustaria com o emaranhado de barba e o rosto magro. O amigo foi até a sua direção, encheu uma taça com água e lhe deu. Robert fez a melhor cara de indignação que pode e então Ned trocou a água pelo vinho.

- E Lyanna? Onde ela está? – Depois que havia perguntado Robert pensou que estava com medo da resposta, e fechou os olhos esperando o baque das palavras de Ned.

- Nós a encontramos em Dorne, em uma torre no meio do deserto, com três membros da Guarda Real aparentemente protegendo o local. Quando entramos ela já estava morta. Destruímos a torre, enterramos os corpos dos meus homens e amigos lá, e a Guarda Real também. Devolvi a espada de Sor Arthur Dayne a irmã, e o corpo de Lyanna está na cripta de Winterfell, o seu lar.

- Maldito...Aquele maldito! O que ele fez? O que aquele desgraçado deve ter feito a sua irmã, Ned! Minha prometida! A trancou lá e a deixou morrer! – A impotência que Robert sentia era enorme.

Não, não foi isso o que aconteceu. Ned pensou. Depois que Lyanna morreu o bebê também morreu, como se estivesse esperando por ela. Seu choro morreu nos braços da aia no momento em que ela fechou os olhos, pensei que fosse a minha imaginação e meu luto, mas Howland também percebeu. Era seu filho, Robert.

- Eu queria que ele estivesse vivo agora, respirando ar puro como o bom príncipe-herdeiro que ele era, e então eu iria arrancar seu coração fora. Sem martelo, sem armadura ou cavalos, só com as minhas mãos, como um maldito dothraki selvagem. – Robert disse, olhando para algum lugar no fundo de sua alma. Ned sabia que ele estava falando muito sério, e que se Rhaegar estivesse entre eles naquele momento, nada restaria do homem. – E Aerys? O que aconteceu com o resto?

- Aerys está morto, Jaime Lannister o assassinou com uma espada nas costas, e Jon Arryn guarda o Trono de Ferro para você. Disseram que eram os Lannister no portão jurando lealdade a casa Targaryen e Aerys deu a ordem para que eles entrassem na Fortaleza e Jaime se aproveitou disso, mas o portão foi aberto, e em vez de leões foi Jon que apareceu. Os Lannister realmente iam entrar na Fortaleza e momentos depois eles chegaram e se renderam vendo o que aconteceu, e agora servem a você. Elia Martell e a filha de Rhaegar estão em Dorne. Não conseguimos entrar, mas eles também não podem sair. Estão cercados pelos nosso exército. – Ned disse, em uma voz monótona, relatando os eventos.

- Que Jon mantenha aquele Trono para outro, não pretendo sentar naquela cadeira de ferro. Mas ficaria feliz em entrar naquela porcaria de fim de mundo e matar a família de Rhaegar. Ah sim, eu ficaria feliz. Coloque mais vinho aqui, Ned. – Robert tomou um longo gole da bebida. – E o bebê? Lyanna estava grávida? O louco disse sobre ela esperar um filho meu, ele falou em meio a batalha, me pedindo para mata-lo. Não acreditei, mas...

- Não tinha bebê algum. E Lyanna não estava grávida. – Ned mentiu, com o coração pesado. – E Lyanna não gostaria que você falasse desse jeito sobre a família de Rh-

- Não me diga o que Lyanna gostaria que eu fizesse! Aquele louco do Rhaegar matou sua irmã, está me ouvindo? Ela morreu por causa dele, você sabe que é a verdade! Já não a tenho mais, então não tenho mais nada, e mesmo com ele nos sete infernos eu teria prazer em acabar com a esposa e a criança, do mesmo jeito que ele acabou com Lyanna. – Robert tentou levantar o seu tronco, e dessa vez conseguiu. Sentia as pernas fracas, então só conseguiu sentar na cama em vez de levantar.

- Robert...

- Saia daqui! – Robert gritou.

- Ela era a minha irmã! Eu a amava tanto quanto você! – Ned estava chorando, tentou parar, mas sabia que não ia conseguir, então deixou as lágrimas escorrerem enquanto olhava para o amigo e irmão, os dois compartilhando a perda silenciosamente.

Demorou três dias para que a raiva de Robert fosse substituída pela súbita saudade de Lyanna e do tempo que ficaram juntos no Ninho da Águia. Quando Ned partiu para Correrrio foi quando as lembranças grudaram nele o dia inteiro, mas apenas as lembranças boas. Robert lembrou do quanto que Lyanna lhe deixava fraco, mesmo sendo um homem forte. Ele podia suportar muitas coisas, sabia lutar muito bem, como usar o martelo, como liderar um exército e matar homens, mas era só um garoto brincando de ser um nobre cavaleiro quando estava nos braços de Lyanna. Toda a sua força e o que fazia homem não importava, e foi por isso que se apaixonara tão subitamente por ela. Ned e nem mesmo a própria Lyanna entenderia, mas ele nunca foi tão verdadeiro quando confessou que a amava. Rhaegar e a Torre da Alegria não passou em sua mente em momento algum, e ele sentiu que não precisava pensar sobre isso novamente. 

E então, na terceira noite desde que acordou, Rob ficou de pé quase sem dificuldade alguma, vestiu um gibão com as cores de sua casa junto com uma calça simples de linho e botas, saindo do aposento para chegar na muralha que dava para a Baía dos Naufrágios onde há anos viu o navio de seus pais naufragar. O castelo estava silencioso, como se só ele e o mar existisse naquele momento. Homens não protegiam aquela parte da muralha pois era impossível inimigos chegarem por ali, onde as ondas batiam altas nas pedras.

Robert inspirou fundo, deu um impulso para subir e passou um pé na muralha e depois o outro, sentando nela de frente para o mar. Sentiu o vento chegando e passando em seus cabelos escuros e fazendo pressão no seu corpo, jogando ele para frente e para trás, e então fechou os olhos, se sentindo como parte da muralha. "Está tudo bem. Acabou.", ele ouviu a voz de Lyanna dizer em um sonho.

De alguma forma o mar estava lhe lembrando Lyanna, e as ondas pareciam as curvas que o cabelo da dama fazia no travesseiro, com a lua refletindo naquelas águas escuras, e se olhasse com mais atenção ele veria o seu olhar acinzentado e o sorriso simples e verdadeiro no céu. Pela primeira vez desde que o casamento de seu irmão aconteceu e todas as pessoas que amava estavam reunidas no Ninho da Águia, Robert se sentiu em paz. Então ele sorriu, e se jogou.

Falsa PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora