Falsa Primavera

Winterfell - Parte II

"Ah, com certeza, há muitas coisas que ainda não compreendemos. Os anos passam às centenas e aos milhares, e o que vê qualquer homem vivo além de alguns Verões e alguns Invernos? Olhamos para as montanhas e dizemos que são eternas, e é o que parecem ser... Mas, no correr do tempo, montanhas erguem-se e ruem, rios mudam de curso, estrelas caem do céu, e grandes cidades afundam-se no mar. Pensamos que até os deuses morrem. Tudo muda." Meistre Luwin, A Fúria dos Reis.

A Velha ama subia as escadas da Grande Fortaleza para acordar Lyanna, que não comeu a refeição da manhã por ordens de Lorde Rickard. Seu bisneto, o grande Walder, a acompanhava segurando uma bandeja de comidas com as mãos. A ama preocupava-se com a jovem loba. Lyanna constantemente se metia em confusões, e já não era a primeira vez que roubava sobremesas do jantar. Vive demais entre os homens, deveria ter sido educada com as damas, pensou. Nem a protegida de Lorde Rickard ou os ensinamentos de etiqueta da septã pôde salvar a garota. Era selvagem como um lobo, e faz jus ao selo da casa Stark.

- Querida? – a velha abriu a porta do aposento, e sacudiu a cabeça em negação. – Walder, vá avisar o senhor que Lyanna não se encontra em seu quarto. – disse.

- Sim. – Walder deixou a bandeja na mesa e se dirigiu apressadamente ao pátio, mas foi interrompido por Brandon, que subia as escadas em direção ao quarto. – Onde vai com tanta pressa? – o lobo perguntou.

- Tenho...tenho de avisar Lorde Rickard que Lyanna não está em seu aposento. – disse, com receio.

- Ela deve estar nas criptas. Irei procurá-la. Não fale nada a meu pai. – Brandon desceu as escadas sem esperar os protestos de Walder. O lobo sempre recebera melhor tratamento do que a irmã quando se tratava de castigos. Quando podia, tentava protegê-la e impedir que a punição fosse maior. O pai ficaria furioso se soubesse que ela não estava no quarto.

Brandon Stark não gostava de descer nas criptas. Por muitas vezes quando Lyanna estava chateada, sabia que a encontraria sentada no chão e encostada em uma das estátuas dos antigos Reis do Norte, mas descia ali apenas para convencê-la a sair. O lobo passou pela ponte e, quando chegou na porta das criptas, acendeu o archote. Respirou fundo, e então puxou a porta de madeira. Uma massa de ar frio lhe atingiu o rosto, e mentalmente contando até três tomou coragem para descer a escada em espiral. Chegou na metade da escada e gritou o nome de Lyanna pela primeira vez, e não ouviu resposta. Desceu mais alguns degraus, e com a luz do archote conseguia ver os reis imponentes, sentados com seus lobos aos seus pés, de guarda, e ambos observando Bran com olhos vazios de pedra. Chegara no fim da escada e passou por entre mais alguns reis para descobrir que Lyanna não estava lá. Deve ter fugido para as florestas. Irei verificar o estábulo.

- Todos os cavalos estão aqui, senhor. Conheço todos como os calos de minhas mãos. – o cavalariço disse.

Como última opção, Brandon procurou-a no bosque sagrado, mas tudo o que encontrou foram as árvores sentinelas, carvalhos e a imponente árvore-coração. O meistre estava debaixo dela, com Benjen ao seu lado, ajoelhado de frente à Arvore e de olhos fechados para o rosto esculpido no tronco. O meistre o avistara.

- O que faz aqui, jovem Stark? – perguntou.

- Não encontro Lyanna. Não está em nenhum lugar que costuma ficar. Também não fugiu para as florestas, e pensei encontrá-la aqui. – Disse, com pesar.

- Ah. Eu e o jovenzinho estamos aqui há um tempo, e não vimos a senhorita Lyanna. Aprontara ontem, e deve estar fugindo das palavras severas do Senhor. Deve avisá-lo, irá mandar alguns guardas para a procurar. Já perguntou a Egar e Tris- Agora me recordei, a dama casou-se, e já não vive mais aqui. Pergunte a Egar. – disse, por fim.

- Egar está no pátio, treinando com a espada, vi-o quando passei pela ponte. – o lobo queria ter encontrado a irmã e dizer a ela para não se meter mais em confusões, mas a vontade de discutir com a jovem por não ter ficado no quarto foi deixada de lado por uma sensação súbita de medo. Algo estava estranho para Brandon, e desejava apenas encontrar Lyanna escondida em algum canto. – Falarei com o pai, estou preocupado. Obrigado, meistre.

Brandon não foi falar com o pai, mas retornou para o quarto de Lyanna. Entrou no aposento e viu que os pertences da irmã ainda estavam lá. As botas de couro de cor amadeirada, favoritas da jovem, encontravam-se em um canto, e o vestido que usara no dia anterior estava embolado no chão Não havia acontecido nada de diferente para que ela pensasse em fugir. Já fizemos coisas piores do que perturbar o cozinheiro, mas no dia seguinte ficávamos bem. Sempre ficávamos bem.

Bran foi até a janela e observou a vasta floresta que se estendia depois do portão norte. Lembrou do dia anterior, de Lyanna parada no cavalo e do rosto que vira entre as árvores. Um arrepio lhe correu a espinha. Eu devia ter ido até a mata, até as árvores, pensou. O lobo saiu do quarto e atravessou a ponte como um raio, para informar que a irmã estava desaparecida.