Focus
I got life.Joanna
Meu sábado começou com uma ligação de Yang Mi ás oito horas da manhã, eu atendi com a mulher já se desculpando e perguntando se eu poderia fazer alguns testes da nova maquiagem da YaInclusive, meus ossos estavam cansados da faxina que minha mãe me obrigou a fazer no dia anterior, mas aceitei ir até o estúdio de maquiagem. Sabia que toda a equipe estava preocupada com o andamento das fotos para a divulgação, já que em todas elas não havia nem a ideia dos produtos.
Planejava usar esse tempo para acalma-los em relação ao processo criativo de Jimin, os motivos que o levavam a dispensar a maquiadora toda vez ainda eram um mistério para mim, mas não queria perdê-lo, então inventaria uma linha de raciocínio que se encaixasse com o que estávamos fazendo.
-Vai tirar mais fotos hoje?- minha mãe pergunta da porta do meu quarto, ainda de pijamas. Eu estava terminando de me arrumar, fechando os botões da minha saia jeans.
-Testar maquiagens.
-Eu vou com você.- me informa, e então sai em direção ao seu quarto, sem me dar tempo de pensar sobre o assunto.
Eu sabia que ela estava esperando o momento certo para me acompanhar em algum compromisso da Ya, tinha certeza que ela não havia percebido que eu evitava sua companhia de forma proposital, já que ouviria inúmeras reclamações se mamãe sequer suspeitasse de algo como aquilo.
Espero que ela se arrume e então nós vamos para a empresa, passo o caminho no táxi considerando se devo ou não comprar um carro provisório, imaginando que seria mais cômodo quando a Campanha fosse lançada e que Jimin se sentiria grato por ter uma pessoa no volante que não fosse ele.
-Você chegou tarde ontem.- minha mãe comenta ao meu lado, variando entre o tom repreensivo e a curiosidade.
-Acabei não percebendo a hora passar.
-E eles te trataram bem?- ela sempre fazia essa pergunta, os olhos nos meus.
-Sim, mamãe.
-Como os amigos dele são?
-Lindos e engraçados.
-Lindos e engraçados? Jimin também é lindo e engraçado?- ela pergunta com uma expressão maldosa e eu suspiro por não ter percebido antes onde ela queria chegar.
-Ele é sim, Ruth, ele é isso tudo.- finjo prestar atenção nos botões da minha saia jeans.
-Isso tudo e muito mais, hein?
-Eu não disse: "isso tudo e muito mais"!- minha voz sobre algumas oitavas e ela ri.- Ele é só um amigo.
-Que pecado.- a ouço estalar a língua.- Eu vi as fotos dele na internet, é realmente um pecado.
Ela cutuca o meu braço e toda a força que eu estava aplicando para prender meu sorriso vai embora.
Não demoramos para chegar no endereço que me foi enviado por Yang Mi, era um prédio pequeno, de apenas um andar com pouco comércio em volta, na entrada havia um senhor que pareceu me reconhecer quando eu saí do táxi com minha mãe, já que ele me auxiliou na hora de descer do carro, me cumprimentando em coreano e depois dizendo que estávamos sendo esperadas em inglês.
Entramos no prédio e seguimos pela direção apontada pelo porteiro, consegui achar o caminho do pequeno salão de beleza por causa do cheiro dos produtos, o espaço era composto por uma bancada longa que tomava toda uma parede, assim como um espelho igualmente grande, uma cadeira reclinável e várias embalagens lacradas com a logo da Ya, em um sofá médio estavam uma mulher coreana que eu não conhecia, de cabelos pretos e curtos, aparentando ter a minha idade, e Yang Mi, que levantou para me receber.
-Peço desculpas por te tirar de casa em um sábado de manhã, mas os produtos chegaram a algum tempo e ainda não tivemos a oportunidade de usa-los em você.- ela aponta para as caixas que eu havia visto antes. Eu aceno para isso, entendendo que aquilo fazia parte do trabalho.
-Está tudo bem.
-Essa é Mi-Cha, a nossa maquiadora principal.- Mi-Cha mantém uma certa distância, mas sorri simpática para mim.
-Acho que já conhece minha mãe, Ruth Meyer.- ela estava ao meu lado, então seguro seu braço por um momento.
Todas se cumprimentam e eu percebo certa pressa em Yang Mi, então acomodo minha mãe no sofá e já me sento na cadeira reclinável, pronta para ser maquiada. Observo com certa curiosidade enquanto as duas mulheres abriam as caixas com os produtos, era algo bem exclusivo, o lançamento real só aconteceria em um mês, então todo o designer e componentes dos cosméticos deveriam ser mantidos em segredo até lá.
Elas retiram cada um dos produtos e eu vejo como as embalagens são bonitas, a cor rosa pink em todas elas, com o contorno de rosas em preto, parecia um trabalho minucioso e minha mão coçou para pegar um dos pós, que eram os únicos com a embalagem negra e os detalhes em rosa pink. Olho de esguelha para minha mãe, vendo como ela parecia surpresa. Eram itens indiscutivelmente bonitos, feitos como se fossem adornos ao invés de maquiagens, tão cuidadosamente preparados para pessoas de peles diferentes, que eu me senti, pela primeira vez, completamente bem por estar ali.
Yang Mi se afastou um pouco enquanto Mi Cha preparava a minha pele, meus olhos indo vez ou outra para os produtos dispostos na minha frente, eu estava ansiosa para experimenta-los, contaria para Jimin sobre eles, já que como eu ele não tivera a oportunidade de ver a linha. Mas a euforia diminuiu quando Mi Cha tirou o lacre da Base e abriu a tampinha rosa, derramando o líquido em um prato de metal e o colocando na esponja. Olhei para o espelho quando ela passou o produto claro nas minhas bochechas.
-Esse não é o meu tom.- Mi Cha me olha e muda, se vira para Yang Mi, que se curva sobre mim e aperta os meus ombros.
-Vamos esperar acabar a maquiagem, sim?- pede.- No final você vai ver como vai ficar.- ela diz e eu apenas concordo com a cabeça, meus olhos no espelho.
Mi Cha faz uma maquiagem usando dourado e vermelho, a primeira cor em meus olhos e a segunda na minha boca, os tons casavam bem e o delineado estava perfeito, mas ainda assim me virei para Yang Mi e disse que estava tudo errado.
-A maquiagem não é do meu tom.- repito a encarando.- Eu estou no mínimo três tons mais clara.- volto para o espelho, levantando meu braço e colocando ao lado do meu rosto.- Tudo deveria ser mais escuro, temos que testar as outras e ver qual se aproxima mais, assim como o pó...
-Essa é a base mais escura.- é Mi-Cha que fala, fingindo distração ao descartar algumas esponjas e panos demaquilantes.
Já havia passado por aquilo, não era incomum não ter produtos ou maquiagens compatíveis para o meu cabelo e pele, mas eu inocentemente achei que em uma campanha que representava a pele negra, isso não seria um problema.
-É impossível que essa seja a base mais escura.- me viro para Yang Mi.- Como vocês definiram os outros tons?
-São só dois tons.- levanto as sobrancelhas e ela parece confusa.- É uma aposta nova, então estamos indo aos poucos, precisamos ver como será recebida, ver os gráficos do primeiro lote...-não espero que ela acabe de falar, apenas me viro para os outros produtos e começo a abri-los, olhando o conteúdo.
-A pele negra tem vários tons, Yang Mi.- aplico um pouco do outro tom nas costas da minha mão, o contraste entre as cores deixando óbvio o que estava errado.-E eu pensei que essa era uma forma de vocês apoiarem a diversidade, o que o lucro tem a ver com isso?- ela me olha, não parecendo entender a gravidade da situação. Não parecendo entender como era prejudicial usar a palavra "diversidade", em uma campanha que abraçava menos da metade de seu público alvo.- Vocês precisam mudar isso.
-Não acho que seja possível, não agora. Talvez depois, e você só está um pouco mais clara, isso não deveria ser um problema.
-Yang Mi, eu não vou tirar fotos com uma maquiagem que me faz parecer outra pessoa, com outra pele e outro rosto.- aponto para os contornos que afinaram o meu nariz e bochechas.- Essa não sou eu.- sibilo.
-Podemos diminuir os contornos.- Mi-Cha toma a palavra.
-E os tons?- é Yang Mi que me responde:
-Eu já expliquei, srta. Meyer, não é algo que eu posso fazer, é arriscado demais investir tanto em um projeto novo!
Eu a olho por um momento e depois me viro para o espelho. Eu não precisava pensar muito.
-Eu não posso apoiar algo assim.- Yang Mi arregala os olhos e eu continuo antes que ela pudesse falar.- Estou cancelando o contrato, não posso continuar com isso.- começo a me levantar da cadeira e Yang Mi agarra meu braço.
-Você não pode fazer isso, Joanna, não por algo assim, vamos conversar primeiro.- sua voz era calma, mas eu podia ver sua cabeça trabalhando, provavelmente fazendo cálculos e pesando todos os contras de me ver fora da Campanha.
-Vocês vão ampliar a paleta de cores? - ela não verbaliza a resposta, mas eu entendo o que a careta em seu rosto quer dizer.
-Srta. Joanna, pense no que vai perder, não pode decidir isso com essa facilidade toda!- ela tentava ser dura, mas havia certo desespero nos seus olhos quando eu os encarei.
-Eu não preciso do seu dinheiro. Meus advogados irão entrar em contato com os seus.- é tudo o que eu falo antes de sair pelo mesmo corredor que entrei.
Do lado de fora eu apenas paro na calçada, minha respiração acelerada enquanto eu pensava no que acabara de fazer. Sinto um aperto no meu braço e me viro, pensando que encontraria Yang Mi ou Mi-Cha, mas são olhos castanhos que me recebem, o rosto em formato de coração que eu reconheceria em qualquer lugar. Havia esquecido que mamãe estava comigo, como esteve sempre, durante todo o tempo.
Ela me colocou em um táxi e ficou em silêncio durante todo o caminho, não me seguindo quando fui direto para o quarto quando chegamos em casa.
A primeira coisa que fiz foi entrar debaixo do chuveiro, lavando o meu rosto com uma esponja e molhando meus cabelos. Só desligo a água quando me sinto completamente limpa, saio vestindo apenas um robe e me deito na minha cama, sem me enxugar.
Não sei por quanto tempo fico deitada, apenas pensando. Eu sabia que a Ya estava fazendo tudo pelo lucro, desde o início eu sabia, mas não me permiti pensar apenas no pior. Considerar a realidade e os motivos por trás de cada coisa era cansativo, me deixava doente ás vezes, mas o resultado de não se atentar muito para isso era esse.
Demoro para perceber que minha mãe entrou no quarto, só quando ela pega uma toalha e começa a secar o meu cabelo, eu noto que ela subiu na cama e ficou ao meu lado, ajoelhada em frente à minha cabeça.
-Você vai acabar resfriada desse jeito.- ela afofa meus fios.- E seus cachos vão embolar, levante antes que fique difícil demais de pentear...
-Você estava certa.- murmuro.
-Certa sobre o que?
-Não finja que não sabe, Ruth.- ela dá um tapa na minha cabeça e eu me encolho.- Deve ser bom estar sempre certa.- resmungo.
-Eu nunca quero estar certa sobre essas coisas, nunca vou ficar feliz por acabar tendo a razão. Não quando vai contra ao que você queria.- ela continua secando meu cabelo e eu fico muda, absorvendo suas palavras.
-Desculpa.- começo.- Desculpa por te trazer até aqui para nada, e desculpa pelo o que acabei de dizer. Peço desculpas por tudo.
-Está tudo bem, querida.
-Eu vou me tornar mais esperta com o tempo, não vou? Tenho 22, eu não deveria estar ficando mais esperta?- tento olhar para o seu rosto, mas a toalha atrapalha.
-Você faz as coisas do seu jeito, eu respeito isso. E é claro, Jojo, claro que você não fez nada de errado, não foi burra. Eu seria a primeira a te dizer se tivesse sido.
- O que eu fui, então?- ela para de secar meu cabelo.
-Você foi esperançosa, e corajosa também.
-Acho que fiz algo que o papai faria, aceitando a Campanha. Foi um erro desde o início.- ela tira a toalha da minha cabeça e eu me sento na cama para poder olhar seu rosto.
-Seu pai não era um homem ruim, só foi ensinado daquela forma. Aquele velho burro achava que estava fazendo o melhor para você.
-Eu também achava que era o melhor.- ela suspira.
-Seu pai não veria nenhum problema na Campanha, ele tentaria te convencer a participar e você recusaria todas as tentativas dele. Você é o meu maior orgulho, Joanna. E não é por causa disso.- levanta meu rosto com sua mão esquerda.- É por causa disso.- dá duas batidinhas no meio dos meus seios com os dedos da mão livre.- Você luta da sua maneira, Jojo. E não tem nada de errado em cair uma hora ou outra e perceber que fez decisões ruins. Isso não te desqualifica, não te faz menos forte.

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As cores de uma voz
Fanfiction"As cores de uma voz tem o objetivo de trazer as mais diferentes vozes até vocês. Mostrar que apesar de sermos 7 bilhões habitando o mundo, nenhum de nós é igual, nossas cores são diferentes, nós somos únicos. E, mesmo assim, não estamos sozinhos, t...