Capítulo Dois

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Vivianne desceu primeiro em direção à sala onde suas consultas com o senhor Pelegrini aconteceriam e jogou os materiais que carregava sobre a mesa com certa impaciência.

Não sabia o motivo, mas o olhar daquele homem a desconcertava de maneira desastrosa e incondicional. Nunca na vida se sentiu tão desassossegada na presença de alguém como havia acontecido ao estar frente a frente com Pedro Pelegrini.

Coçou os braços para ver se a sensação arrepiante saia de sua pele, mas era como se a simples lembrança do par de olhos verdes a assombrasse! Jamais sentiu algo assim e certamente se assustava com a constatação de que a presença de um homem a fazia perder o foco.

Definitivamente você não nasceu para ser freira!

A voz de Frida - sua paciente adolescente da ala de abuso sexual - ecoava em sua memória vagamente. A menina de cabelos cor de fogo sempre brincava com Vivianne ressaltando que sua vocação não era para a vida religiosa. O jeito desbocado da garota em nada combinava com sua história trágica de vida, mas certamente mostrava a Vivianne que ela, mais do que ninguém, estava cada vez mais segura de que se tornar freira talvez fosse o maior e mais trágico erro de sua vida.

No entanto, apesar de qualquer resquício de arrependimento que ameaçasse surgir em sua alma, não era possível desviar o caminho. Nada no mundo convenceria sua família de que outro caminho seria possível para ela, que foi prometida a vida religiosa muito antes do próprio nascimento.

Teria de superar os arrepios causados pelo olhar do senhor Pelegrini de uma vez por todas e seguir seu objetivo de conquistar ainda mais a confiança da madre superiora. Não podia arriscar. Não podia hesitar. Não podia, em hipótese alguma, desapontar aqueles que eram os mais importantes em sua vida... Seus pais.

- Toc toc - Pedro adentrou a sala sem avisar, apenas imitando o barulho e Vivianne virou-se repentinamente pela invasão daquele de dominava sua mente naquele momento. Derrubou o copo de água que acabara de pegar no bebedouro e suspirou profundamente quando se deparou com o par de olhos esverdeados em frente a ela. Pousou uma mão sobre o peito e apoiou-se na mesa ao lado - Nossa, acalme-se! Certamente não estou querendo te matar, apenas demonstrar minha imensa insatisfação em estar aqui.

Vivianne o encarou com o coração pulsando no peito e buscou palavras para começar a relação com sua paciente de maneira pacífica.

- Está tudo bem, você não vai me matar - Sorriu de canto e abaixou-se para apanhar o copo jogado a seus pés. Pedro seguiu parado em frente a ela sem demonstrar qualquer interesse em ser cordial, principalmente depois da frase dita em resposta.

- Você não vai me matar - O rapaz ironizou fuzilando-a com o olhar profundo - Certamente não são boas palavras para se dizer a alguém que tirou a vida dos próprios filhos.

O coração de Vivianne congelou ao ouvir tais palavras e mordeu os lábios pelo vacilo quando o rapaz lhe deu as costas para caminhar em direção ao divã que havia do outro lado da pequena sala.

- Mas você não matou seus filhos, Pelegrini - O acompanhou e sentou-se na cadeira ao lado do divã com uma prancheta em mãos.

- Pensei que a irmã houvesse estudado sobre minha história antes de aceitar essa babaquice toda - Deitou-se no divã e pousou as mãos sobre o peito em uma postura de descanso.

- Foi um acidente - Vivianne colocou seus óculos de grau em frente ao rosto.

- Não, não foi. Foi uma imprudência e quem deveria estar morto sou eu - Comentou com naturalidade e fechou os olhos - Agora, se me permite, vou tirar o cochilo merecido que a hora de terapia me contempla.

Enviada Pelo Céu (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora