Capítulo Quatro

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A pequena Vivianne era uma menina sonhadora e alegre, que cresceu na fazenda dos pais debruçada sobre a janela vendo os dois irmãos mais velhos brincando no pasto sem sequer cogitar a ideia de juntar-se a eles.

— Me entristece muito te ver ai, menina — Sussurrava Amélia, uma doce senhora que lhe penteava os fios do longo cabelo negro — Sei que sua vontade era estar com Victor e Valentim lá fora correndo por aí.

— Não é não, Amélia — Mentiu a pequena, ainda com o rosto apoiado nos braços que descansavam na janela. Os olhos azuis encaravam os irmãos mais velhos brincando e as lágrimas insistiam em se formar no cantinho dos mesmos — Mamãe diz que nasci com um propósito. Deus me mandou porque ela prometeu que eu seria freira um dia.

— Isso é bobagem — Sussurrou a senhora ao ouvido dela como se fosse um segredo — Sua mãe não pode escolher por você como será a sua vida.

— Mas Deus me enviou depois de levar minhas irmãs — Virou-se para encarar os olhos da empregada de seus pais que era responsável por seu dia-a-dia — Mamãe diz que fui um milagre.

— Um milagre muito belo, diga-se de passagem — Tocou o rosto da bela menina — Quando Valentina e Vitória se foram nunca mais imaginamos que teríamos novamente uma princesa passeando pela casa. 

Irma e Joseph Grace casaram-se por um trato entre famílias e juntos construíram um império. O homem era um engenheiro agrônomo muito famoso e herdeiro de duas famílias tradicionais no ramo de criação de gado. A mulher, além de também herdeira de sua família, era uma perfeita dona de casa e mãe dedicada à vida religiosa. 

Irma casou-se ainda menina, aos dezessete anos, como corriqueiramente acontecia nas famílias tradicionais no interior do Brasil antigamente, e teve o primeiro filho apenas com vinte e poucos. Com quase nenhuma experiência na vida, a moça passou a se dedicar ao marido como se dedicou a vida toda aos assuntos da igreja, parindo dois belos meninos primogênitos e um par de gêmeas encantadoras. 

Os quatro filhos eram sua vida, principalmente as pequenas Valentina e Vitória, suas fiéis seguidoras. Era admirada por toda a pequena cidade onde morava devido à fortuna da família e beleza das crianças, além do sucesso que tinha como matriarca. Os meninos, Vitor e Valentim, eram treinados pelo pai para serem os sucessores na criação de gado e movimentação da fazenda.

As meninas, que não demonstravam qualquer interesse pela fazenda, estudavam para se graduarem na faculdade e seguirem as profissões desejadas. Sempre juntas da mãe, Valentina e Vitória eram a paixão do pai e representavam a proteção dos irmãos mais velhos. 

A família Grace, sempre em perfeita harmonia, jamais poderia imaginar o que o destino lhes reservava.

Em um passeio de família, enquanto voltavam pela estrada turbulenta, o carro da família foi atingido em cheio e as duas garotas – então com onze anos – perderam a vida no mesmo momento. Joseph e Irma, que estavam em outro veículo atrás do das crianças que era guiado pelo motorista, assistiram a tudo de camarote e foram marcados por uma tragédia avassaladora!

A família perdeu as meninas e Irma embarcou em uma profunda depressão que parecia não ter fim. 

Os meninos já não tinham mãe e Joseph tão pouco à esposa, que decidiu se entregar a dor de uma só vez. A perda irreparável criou um desejo obsessivo em Irma de engravidar novamente, mesmo já estando ela em uma idade onde gerar uma vida era praticamente impossível! Tomada pelo fanatismo religioso, Irma fez uma promessa... Se novamente conseguisse gerar uma criança, uma menina, consagraria a mesma à vida religiosa. Fosse como fosse, seu desejo era ter novamente nos braços uma menina para protegê-la como deveria ter feito com as gêmeas, que sequer tiveram a chance de chegar à vida adulta.

Enviada Pelo Céu (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora