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   Haviam se passado três dias.

   E Roger escutava a voz doce e meiga daquele tritão ecoando em sua mente.

   Já estava começando a se irritar, certo, ele tinha visto uma criatura mística, mas ainda se sentia enfeitiçado, já que sua cabeça só conseguia pensar nele, naqueles olhos verdes, naqueles cabelos cacheados...

   Ele realmente precisava pensar em outra coisa.

   Então, em uma bela tarde ensolarada de sábado, Roger levantou um pouco mais cedo e resolveu ir nadar um pouco na praia, ele adorava o mar, também gostava de ver e conversar com as belas moças que passavam por ali, talvez arrumar um contato novo poderia tirar aquela voz perfeitamente melodiosa de sua mente. Foi caminhando até a praia, olhando para o céu azul e para o movimento, já sentiu uma grande alegria inundar seu peito ao ouvir o som das ondas quebrando no mar ao longe.

   Assim que pisou na areia, foi correndo até a beira do mar com um sorriso no rosto. Ele cresceu ali, por mais incrível que parecesse, nunca enjoou de estar perto do mar, era como se aquilo tivesse uma conexão com ele.

   Porém sua corrida alegre para se encontrar com a água salgada foi interrompida quando ele viu um penteado bem familiar.

   Um pouco a frente dele, estava um rapaz alto e com os grandes cabelos cacheados, usando a mesma bermuda jeans de três dias atrás, sem camisa e com os pés descalços na areia. Roger suspirou incrédulo e se aproximou lentamente, só para ter certeza de que era mesmo o tritão.

   Ele se virou, fitando Roger com um sorriso simpático.

   — Parece que nos encontramos de novo... — Brian acenou. — Oi Roger.

   — Oi... — Roger respondeu, ainda estranhando. — Achei que... Íamos esquecer que aquilo aconteceu e cada um poderia seguir com a vida.

   — Bom, eu não mencionei nada sobre aquilo, eu só estou olhando para o mar... — Brian fechou os olhos, respirando fundo. — É perfeito não é?

   — É, é muito lindo... — Roger olhou novamente para o mais alto. — Você mora lá?

   — Eu moro aqui perto. — Respondeu Brian, abrindo os olhos e olhando para Roger. — Tento manter uma vida humana, mas sempre que posso eu venho pra cá, é minha segunda casa.

   — Deve ser legal sair nadando com os golfinhos pelo mar. — O loiro riu um pouco. — Então você não se transforma ao tocar em água? Isso acontece muito nos filmes.

   — Eu aprendi a controlar, e vejo que você quer fazer muitas perguntas sobre mim... — O tritão riu.

   — O que tem de engraçado nisso?

   — Você disse que não iríamos nos ver mais, só que é você quem está puxando assunto, talvez eu tenha deixado algum resquício do feitiço...

   Brian segurou o rosto de Roger, olhando para o fundo de seus olhos azuis, para ver se ele ainda estava sob algum efeito do beijo, mas não achou nada anormal.

   — Cara, eu não sei como os "sereios" tratam isso, mas você não pode sair fazendo coisas como essa em público. — Roger se soltou.

   — Só segurei seu rosto... — Brian sentiu vontade de abaixar a cabeça. — Você não quer que pensem que você é gay?

   — Exatamente.

   — Bom, se você sabe que não é gay, você não deveria se preocupar com o que os outros pensam, são pessoas que você nem conhece. — Brian deu de ombros. — E qual é o grande problema de ser gay afinal?

   — Vamos mudar de assunto. — Roger interferiu. — Vai entrar na água?

   — Vou... — Ele olhou para Roger. — Até onde você consegue ir?

   — Mais ou menos... Por onde aqueles surfistas estão! — Roger apontou para longe.

   — Eu posso te levar até um lugar afastado daqui, é uma praia pequena com pedras, é muito difícil de chegar para as pessoas.

   — Quer que eu vá sozinho com você? — Questionou o loiro.

   — Se você não quer... — Brian saiu andando em direção ao mar.

   — Tá legal eu vou! — Roger acelerou o passo. — Mas não tente nada comigo.

   — Você está se achando demais. — Brian ironizou, e riu ao ver a cara de indignado feita pelo loiro.

   Os dois entraram na água, sentindo o choque gelado contra a pele, avançando cada vez mais fundo. Quando Roger chegou ao seu limite, ele olhou para baixo e viu um brilho azul na água, não muito forte, deduziu que Brian estava se transformando.

   — Vou precisar que você deixe eu segurar sua mão, não quero ferir sua masculinidade. — Brian riu.

   — E não vai. — Roger torceu o nariz e ofereceu a mão para o tritão.

   Brian começou a nadar rápido, tão rápido que para se segurar o loiro teve que agarrar os ombros dele com força, não demorou muito para que eles chegassem até o local que Brian falou.

   — Pode descer. — O tritão olhou para trás.

   — Que legal... Ela está praticamente intocada. — Roger se soltou de Brian, nadando até a beira da praia.

   — Os humanos estão sujando tanto a minha segunda casa que eu prefiro lugares escondidos... — Murmurou Brian, também nadando até a beirada, deitando-se na areia.

   O loiro olhou para ele, os cabelos molhados, a cauda imensa banhada pelas pequenas ondas, que refletia com o sol, o corpo magro, os olhos, a voz...

   O que tinha de errado com Roger?

   — Você está me enfeitiçando de novo? — Perguntou para Brian.

   — Não, por que?

   — Por nada... — Ele desviou o olhar, acabando por reparar em algumas marcas azuis nas pedras atrás dele. — Você que fez?

   — Sim, quando eu choro como um tritão, minhas lágrimas ficam azuis e brilhantes.

   — Por que estava chorando quando marcou essas pedras? — Perguntou o loiro, ainda admirando os padrões que o tritão fez com os dedos.

   — Quando eu fico chateado, eu gosto de chorar no mar, pelo menos as minhas lágrimas ficam mais bonitas.

   — Então você apenas fica chateado e chora?

   — Chorar não te faz menos homem, eu me sinto bem melhor depois de chorar e colocar pra fora. É que é difícil, sabe, manter as duas vidas em equilíbrio, as vezes é muita coisa pra eu conseguir pensar sozinho. — Brian se arrastou até a areia, ficando deitado no chão.

   — Eu entendo... — Roger olhou para a cauda de Brian. — É tão brilhante, nem parece de verdade.

   — Quer tocar? Existem pessoas que pagariam uma fortuna para isso.

    — Só vou tocar porque estou curioso... — Roger foi andando até Brian, sentando-se ao lado dele e tocando em sua cauda.

   As escamas não eram ásperas, chegavam até a ser macias. As mãos de Roger percorreram por mais um pouco daquela área, que na anatomia normal, deveria corresponder à coxa de Brian.

   — Eu ainda não acredito que você é real...

   — Admito que sou bem raro, mas eu existo.

   Os dois se encararam, sem conseguirem dizer nada um para o outro, alguma coisa realmente não estava normal.

   Não era um feitiço, estava mais para um "clima rolando entre eles".

Beyond The Sea • MaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora