Silêncio

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Sentada na primeira carteira, em frente a mesa da professora de matemática, Cosima copiava as questões do quadro, enquanto ouvia as amigas cochichando. Como a sala estava em silêncio, e as meninas estavam sentadas próximas, pode entender parte da conversa. Combinavam em passar no dentista, após sair do colégio. 

Krystal usava um discreto parelho nos dentes, e precisava dar uma verificada se o baque da bola, não havia causado algum dano ao aparelho. Cosima ainda sentia-se mau, com o que mesmo sem querer, fez a amiga. Mas continuou a olhar para seu caderno,  sentia-se mau por Krystal, mas também sentia-se mau por si mesma, não queria ter machucado a amiga, não era esse tipo de pessoa, mas no fundo sabia que a menina não iria guardas magoas.

Tentando parar de ouvir o que elas falavam, focou ainda mais sua atenção nas questões.

Você já esteve em um trio de amigos? Em alguns momentos algum deles pode se sentir excluído, já percebeu?

Era exatamente assim que Cosima se sentia, principalmente quando as amigas combinavam em sair depois do colégio, ou a noite. Não que fosse o fato de ir ao dentista que a estivesse perturbando, ela entendia que mesmo que Krystal não fosse guardar magoas, ainda poderia estar, talvez, um pouco chateada.

Mas o que a perturbava, era o fato de situações assim acontecerem com muita frequência. As amigas estavam sempre combinando em fazer alguma coisa, e quase nunca a convidavam. Por mais que na maioria das vezes, ela com certeza não poderia ir, mesmo assim sentia-se excluída, pelo fato de nem ao menos lembrarem de convida-la. 

As amigas tinham personalidades muito diferentes da de Cosima, mas mesmo assim a jovem morena procurava se adaptar a elas. 

Existia essa necessidade dentro de Cosima, em querer agradar as pessoas, sempre achava que ela não era suficiente, que não seria notada, muito menos desejada. Com isso seu principal mecanismo de defesa era a reclusão, principalmente em situações como a que estava acontecendo agora, enquanto ela terminava de resolver as questões as meninas ainda cochichavam.

Talvez, essa timidez, reclusão, sentimento de inferioridade e culpa, que Cosima parecia sentir constantemente, possa ser definido em uma unica palavra : Complexidade.

Esse sentimento, foi alimentado dentro de Cosima, desde que ela era muito pequena, quando aos 7 anos, descobriu que não era como as outras garotas. Com sua pouca idade, ainda não entendia o que era ser uma garota com pênis, a unica coisa que lhe falaram era que; ela tinha nascido com órgão sexual masculino, mas sua genética era feminina, a tornando assim uma menina intersexual. 

Quando aos 8 anos, alguns colegas de escola descobriram essa condição de Cosima, acabaram por humilha-la, a traumatizando e com isso acabou se fechando para muitas coisas. Seu padrasto Fred, parecia sofrer junto com a pequena Cosima. Sabendo que não seria nada fácil, e nem muito menos saudável, para a menina continuar indo estudar em um local onde sofreria ameaças, humilhação, entre outras coisas que pessoas mal informadas, podem fazer quando deparadas com o desconhecido, acabou por tomar a iniciativa, em cortar o mal pela raiz, mudando de cidade.

Na nova cidade mantiveram em completo segredo tudo que havia se passado com Cosima na antiga escola, apenas disseram a todos que perguntavam, que Fred tinha recebido uma proposta de emprego e ali seria melhor para as meninas crescerem.

Contudo, aquele sentimento de que ela não era normal, a perturbava constantemente, principalmente pelo que havia passado na infância, juntando ao fato de sofrer com as ofensas constantes que a mãe desferia a ela em casa.

Siobhan era uma mulher estressada por natureza, e acabava por muitas das vezes, se não todas, descontando na menina. Batia nela com certa frequência, mas o que mais doía em Cosima eram as palavras ofensivas, preferia levar dez surras, do que escutar aquelas palavras ditas com tanto ódio e desprezo, que lhe causavam dor intensa na alma.

Um silêncio que dizia tudo Onde histórias criam vida. Descubra agora