Não conte nada a Huimang Hill

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Lisa Manoban
7 de março de 1995 - (31 dias antes)







Já que estamos falando de segredos, eu não poderia deixar o maior deles de lado.

Lisa Manoban, a forasteira, o único ponto diferente no meio dos comuns, com seu sotaque arrastado, coturnos descolando a sola e cabelos platinados. Ela era alta, o que por si só já chamava atenção. As pernas magras eram cobertas por uma calça caqui velha, cintura alta, a blusa grande amarrada na barriga deixava apenas uma parte da pele à mostra, como uma degustação, incitando os mais corajosos a chegarem perto. O pirulito rodava na boca, a língua vermelha exposta lambendo o doce com avidez.

Lisa gostava de chamar atenção e sabia que seria notada onde quer que fosse, então por que não se aproveitar disso? E vocês podem estar se perguntando de onde ela veio e como acabou neste fim de mundo, mas nem a própria Lisa sabia.

Ela e a mãe moravam em um trailer velho, na saída da cidade, e viviam por aí com o dinheiro necessário para gasolina, rifas e porcarias calóricas. Era o motivo da magreza excessiva de Lisa, aliás. Estar em Huimang Hill parecia um castigo, mas a mãe chamava de oportunidade. A velha prostituta sabia reconhecer uma cidade hipócrita há quilômetros de distância e em Huimang Hill, ela estava no paraíso. Lawan recebia inúmeros xingamentos durante o dia e o dobro de visitas de homens — e algumas mulheres — durante a noite.

Lisa queria que eles fossem gratos por sua mãe entreter os pais de família com o sexo que suas mulheres castas jamais terão a sorte de sofrer, mas a cidade nunca admitiriam esse tipo de entretenimento sórdido. 

Ela mordeu o pirulito, brincando com o palito entre os dentes. O corpo ocupava espaço com mais alguns adolescentes na beira da estrada. Todos estavam ansiosos e agitados demais, acompanhando a corrida que cruzava a rota 87. O carro dos papais eram usados para os rachas e, de vez em quando, um bom prêmio era sorteado entre os vencedores: maconha, fitas k7 e vales cupons. Era uma pena Lisa não ter um carro para participar da corrida.

A luz dos faróis de mais uma leva de carros tomou a escuridão e o barulho era ensurdecedor. A multidão estremeceu quando dois automóveis se sobrepuseram aos outros: um chevette preto e um monza vermelho, cantando poeira na estrada. Lisa não sabia o nome da dona do chevette, mas sabia que era a sombra de Rosé.

Era nova na cidade quando ouviu o nome da ruivinha pela primeira vez e, desde então, nunca mais parou de ouvir. Park Rosé era um assunto recorrente nas variadas tribos, desde os alunos do fundamental, espinhentos e ávidos para bater uma punheta durante o banho, até os velhos americanos que resolveram ficar depois da Segunda Guerra Mundial. Rosé era bonita, porém básica demais para os conceitos de Lisa, que não compreendia o fascínio que todos em Huimang Hill nutriam pela garota. Em uma caminhada rápida no centro da cidade, encontrou umas dez iguais a ela sem, claro, possuírem a raridade dos cabelos naturalmente ruivos.

Todavia, Rosé possuía mais um diferencial que a destacava: ela sabia manipular as pessoas a seu favor, se inclinava na mesa do professor Moon para pedir um ponto extra e se fingia de santa para que as senhoras da igreja não desconfiassem que o vinho acabava mais rápido do que o normal. Era o necessário para se destacar naquela cidade.

Na segunda rodada, o monza vermelho ultrapassou o chevette.
Jennie ganhou de novo. Lisa sorriu, genuinamente feliz. Era fácil ficar radiante com aquela vitória, já esperava por ela.

As pessoas no acostamento começaram a ocupar o asfalto. Como formiguinhas ansiosas por um doce, estavam ávidas para dançar na batida da música que seria colocada em algum dos carros com um som potente o suficiente para durar a noite toda. Era assim que acabava todas as corridas na rota 87. Jennie saiu do carro e bateu a porta com força. O monza estava parado no meio da rodovia, os faróis ligados iluminando a estrada e a motorista. Ela balançou os cabelos, uma manta castanha e rebelde que descia sobre o tronco coberto por uma jaqueta jeans, e sorriu daquele jeito que só aparecia em filmes, um sorriso de lado que exalava poder. O namorado saiu do carro pelo lado do carona e a agarrou pela cintura, Jennie gargalhou e permitiu ser levantada por Kai.

Não conte nada a ninguémOnde histórias criam vida. Descubra agora