Epílogo: Não conte nada a ninguém

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"O episódio de hoje é inteiramente sobre um caso que chocou todo o país. Não é novidade para ninguém que, nos últimos dias, um rosto bonito e assassino tem tomado as manchetes de todos os jornais em circulação, discussões nas rodas de amigos e opiniões controversas de especialistas. A questão que todos comentam é: o quanto você conhece seu amigo? Vizinho? Namorado? A população de Huimang Hill achava que conhecia Kim Kai, o gentil filho do prefeito que na verdade, era um assassino em série calculista e cruel. Acusado de matar três pessoas a sangue frio numa cidade no interior do país, a face do mal foi abatida graças à benevolência da única sobrevivente, a destemida e corajosa Rosé Park. A entrevista que ela concedeu a imprensa arrancou lágrimas nos corações m..."

— Arh, desliga essa porra de rádio — Lisa grunhiu e apertou com força o painel do carro, desligando o aparelho com força.

Jennie riu, estava concentrada na estrada, entrando no cemitério municipal, mas pôde contar as estações que a namorada mudou desde que entraram no automóvel e todas tinham o mesmo assunto em pauta.

— Tem semanas que só passa isso nas rádios, o pior nem foi a história ter ficado famosa — Lisa prosseguiu com sua indignação. — É que ficou famosa a versão sensacionalista da "coitadinha da Park Rosé, a única sobrevivente do anjo vermelho" aliás, que péssimo apelido de assassino Kai levou.

— Mas vende — Jisoo interveio, no banco de trás. — O turismo em Huimang Hill aumentou 100%, e antes nem era contabilizado. Todo mundo só fala isso.

— Aposto que farão um filme em breve — Jennie disse, risonha.

O dia estava cinzento, como sempre, mas o sol prometia nascer entre as nuvens. As três saíram do carro, encarando as lápides monocromáticas e enfileiradas no vasto campo que se seguia.

— Não aceito ninguém interpretando Lisa. — Cutucou a namorada, elas sorriram minimamente.

Jennie pensou que se sentiria pior do que estava, mas vendo a nova lápide do irmão — a verdadeira — seus tormentos ficaram em paz. Acharam o corpo dele usando o mapa de Rosé e o exumaram, levando-o de volta a Huimang Hill. Seus pais mostraram respeito à existência do filho. Jennie não foi visitá-lo antes porque tinha na cabeça que uma lápide com o nome do irmão não traria nada além de dor, mas ali, vendo os arabescos que compunham "Amber Kim" e a data 1972 — 1995 era quase como ter um alento, um fim plácido. Amber estava em paz. Era também uma forma de deixá-lo ir. Deixou lírios brancos e a bandeira do arco-íris em cima da lápide.

— Tem certeza que vai deixá-lo aqui? Podemos pensar em outro lugar — Lisa perguntou, a mão firme entrelaçada a dela. — Podemos cremá-lo como fiz com a minha mãe, jogar no mar quando formos embora.

Jennie maneou a cabeça, negando. Esperou qualquer ondulação de humor que a fizesse procurar alento nos braços da namorada, mas nada veio, talvez tivesse mesmo seguido em frente.

— Por mais que essa cidade não o mereça, Amber ficaria feliz por ser enterrado aqui. Ficará junto a rota 87 e a casa em que nós crescemos... — Sorriu, passando a mão devagar sob a lápide. — Ficará perto do que éramos antes.

— É um adeus bonito — Jisoo murmurou, distante.

— É um adeus necessário — Lisa corrigiu. — Não vamos ficar nem mais um dia aqui.

As duas não tinham malas, Lisa não quis levar nada do que sobrou do trailer e não estava nos planos de Jennie buscar suas roupas velhas na mansão ou na própria casa. Elas só tinham a roupa do corpo e duas passagens para o ônibus das 15h, que passaria pela rodoviária em direção a capital, ao desembarcarem pensariam no próximo destino.

Não conte nada a ninguémOnde histórias criam vida. Descubra agora