Não conte nada a confiança

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(23 de março de 1995 - 13 dias antes)

— Jennie Kim








Lisa estava demorando demais para voltar. Kai saiu para procurá-la.

Jennie ficou estirada no colchão fino, olhando para o teto. Chegou a pensar que eles tinham ido embora e deixado-a para trás, mas Kai voltou depois, sem Lisa.

O dia estava amanhecendo e a tailandesa ficou com a tarefa de distrair os funcionários para não chamarem atenção. Pelo menos foi o que Kai disse. Jennie estava em um momento ruim, já não sabia se era dia ou noite, se estava lúcida ou não. Ele a abraçou forte, sem se importar com o cheiro que ela exalava ou a forma estranha que se encontrava, magra demais, flertando com a insanidade e sem saber como voltar para casa. O silêncio era quebrado por ambas as respirações, ofegantes demais.

No escuro, Kai era imponente, quase como um Deus onisciente, bonito demais pra ser real, benevolente demais pra ser real. Jennie gostava dele assim, sempre transavam no escuro para que ela visse apenas as sombras do que ele um dia seria.

— Ainda está com raiva de mim? — perguntou ele.

— Não sei... — respondeu, sincera.

— Não fique — disse Kai. — Foi uma luta encontrar as suas roupas no meio de tantas outras...

Era para ser uma piada, ele falou mais alguma coisa, mas Jennie não conseguiu captar. Sua consciência ia e vinha, a boca dele se mexia sem nada sair. Estava viva, afinal? Piscou mais algumas vezes, Kai estava quieto dessa vez, esperando por uma resposta com uma sobrancelha arqueada.

— O que foi? — perguntou ela.

Ele riu anasalado.

— Nada. Eu só esperava um "obrigado."

— Você não aceita nenhum agradecimento que não seja a base de sexo — retrucou.

— Eu me contentaria com um beijo — insistiu ele.

— Temos um plano importante para seguir agora, Kai.

Ele sorriu, mas algo na sua postura indicava preocupação, os braços rijos e o olhar furtivo. Kai enfiou as mãos nos bolsos do macacão e tirou de lá a cartela de comprimido, o que Rosé a deu e ela colocou no bolso de trás do short jeans. Jennie pegou a cartela de remédios, tocando como se fossem barras de ouro.

— Como ela está lidando com tudo isso? — Jennie se viu na necessidade de ser mais especifica. — Lisa.

Kai deu de ombros.

— Bem, eu acho... eu nem tanto.

"Eu não me importo, Kai" ficou tentada em dizer, até mesmo abriu a boca para falar, mas não conseguiu. Algo dentro dela não conseguia maltratá-lo, não conseguia deixá-lo, ainda mais depois de tudo, o quanto lutaram para tirá-la de lá. Jennie se arrastou no colchão, o suficiente para chegar mais perto, para tomar o rosto dele com as mãos e o beijá-lo.

— Lisa pediu que tomasse apenas ¾ da cartela... — disse Kai, ele tirou os comprimidos para misturá-los na água. — Vou ficar com você até apagar. Lisa está vindo com os enfermeiros.

Jennie concordou com um menear, tomou a água e se deitou novamente. Ele passou os dedos calejados pelas suas bochechas num carinho singelo, e os segundos se passaram lentamente enquanto o medicamento fazia efeito. Os músculos de Jennie pareciam uma amoeba, moles, leves, pegajosos... a respiração ficou dificultosa, precisou inspirar profundamente para encher os pulmões de um ar que rapidamente se tornou escasso. Os dedos macios de Kai cobriam os seus, pequenos e finos.

Não conte nada a ninguémOnde histórias criam vida. Descubra agora