Não conte nada ao alvorecer

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— Lisa


Lisa nunca parou para pensar em como a liberdade é um conceito abstrato. Precisou ser presa para começar a ver através dos diversos conceitos que cercavam uma palavra tão simples. Em tese, não estar encarcerada poderia ser um tipo de liberdade, mas não era a mais esperada por ela. Não adiantava estar livre — é bom lembrar que "por enquanto" —, se seus pensamentos continuavam a aprisionando, não deixando que comesse, dormisse, vivesse.

Lisa estava presa em sua própria mente.

Quando saiu do carro de polícia, Lawan estava na porta do trailer. Lisa correu até os braços dela, chorando como nunca chorou na vida. Nem na época de infância quis tanto um abraço como naquele momento.

Lawan permitiu que ela chorasse tudo que estava preso na garganta, até a cabeça doer. Depois, foi levada, ainda nos braços da mãe para dentro do trailer, onde acabou deitada, recebendo afagos pelos cabelos.

"A noite anoiteceu tudo" era o que rondava seus pensamentos, leu essa frase num poema e precisou de anos para entender que a "noite", na qual o poeta citava, era muito mais profunda e de certa forma angustiante, do que um simples final de dia. Ali, vendo os olhos brilhantes da mãe no escuro do quarto, chegou a pensar que nunca mais veria o alvorecer, que a escuridão seria sua companheira a partir dali. Era muito mais que a escuridão da noite, era a simbologia, era estar sem esperanças.

— Você não vai perguntar se eu fiz?

— Isso não é importante, querida.

— É sim, mãe — continuou, com a voz anasalada. — Você quer saber a verdade?

Lawan também chorava, o rosto contorcido em angústia.

— Eu te amo, Lisa. Você é a coisa mais importante que já me aconteceu, nada do que disser vai mudar isso. — O afago que recebia dela era ritmado, amoroso. — A culpa por estarmos aqui é minha, no fim das contas.

— Você não tem culpa de nada, mãe.

— Tenho, mas isso não é sobre mim. — Ela sorriu. — O que eu estou tentando dizer é: pessoas boas fazem coisas ruins às vezes, e isso não quer dizer que sejam totalmente ruins.

— Até mesmo matar uma pessoa? — retrucou.

Lawan não respondeu. De alguma forma estranha, ela sabia a verdade e não estava julgando. Isso fez com que Lisa chorasse um pouco mais, porque sua consciência fazia um ótimo trabalho concebendo a ideia de que era ser humano horrível, e nem mesmo a fala da mãe mudaria esse fato.

Dormiu chorando, acordou na escuridão completa e o relógio de led indicando ser duas horas da manhã. Ficou um bom tempo reprisando todos os acontecimentos desde que foi solta, na companhia dos gatos e um café frio. O investigador não disse muita coisa, só citou que havia novas provas e até tudo ser averiguado as três poderiam responder à acusação em liberdade.

O fato de ser culpada não fazia com que se sentisse aliviada, mais provas significam que sua sentença aumentaria, eles a acusariam, não tinha volta, morreria na cadeia e, tomando o último gole de café frio, pensou que não seria tão ruim assim. Merecia pagar pelo seu erro. Rosé havia feito coisas ruins, agido de má fé em muitas ocasiões, mas não merecia a morte. Lisa tinha se tornado uma assassina.

A decisão estava a sua frente o tempo todo, não havia outro caminho a não ser o da verdade, iria a delegacia contar tudo, aceitaria sua sentença e tudo que virasse depois disso, mas precisava avisar Jennie e Kai, porque, querendo ou não, eles eram pessoas importantes em sua vida e mereciam saber o que faria. Tentaria ao máximo não deixar que nenhuma culpa recaísse sobre eles e também livraria Jisoo desse fardo. Os quatro estavam no mesmo barco, mas Lisa estava se afundando e afundaria sozinha.

Não conte nada a ninguémOnde histórias criam vida. Descubra agora