Não conte nada aos leitores

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— Rosé


Vocês se lembram da história do gatinho de Kai? De quando éramos crianças e ele trouxe o bichano para a escola em um dia atípico? Pois bem, era o dia onde as crianças deveriam trazer aquilo de que mais gostavam. Ele levou o gato, eu levei ursos de pelúcia, Jisoo não levou nada porque eu era a coisa que ela mais gostava no mundo e Jennie... bem, eu não consigo me lembrar, mas tenho certeza que não era importante.

O importante dessa história é o que Jisoo não sabe.

Eu realmente odiei o bichano assim que o vi pela primeira vez e o roubei no intuito de matá-lo, não vou mentir. Acontece que, depois do almoço, minha mãe me chamou e disse que um amiguinho da escola queria me ver. Ela o deixou entrar porque sabia quem Kai era, o filho do prefeito. Ele andava com uma babá a tiracolo e tinha um carro bonito que eu julguei ser caro — no pouco conhecimento que crianças de nove anos tem sobre automóveis.

Ele dispensou a babá em um aceno, como se fosse gente grande, e pediu que eu devolvesse o gato. Kai sempre soube que eu tinha pego, ele viu e não contou nada a ninguém. Desde pequeno era assim, gostava de ver o circo pegar fogo.

Fiquei abismada. Foi inteligente e maldoso fazer todos procurarem por algo que estava comigo, então o chamei para brincar com o gato já que Jisoo havia feito desfeita.

Nós o matamos e o enterramos no jardim, perto das flores de mamãe enquanto ela fazia o café da tarde.

Na manhã seguinte, quando Jennie, desinformada demais, ouviu a conversa que eu tive com Jisoo e contou a professora, fui obrigada a pedir desculpas a Kai pela morte do gato.

O que foi bom porque a partir daí viramos... conhecidos.

"Amigos" era um termo forte demais para descrever a relação que nós tínhamos, amizade significa se importar com alguém e eu não me importava com ele, nem ele comigo, eu mal gostava dele, ele também não gostava de mim, mas tínhamos muitas coisas em comum. Não era nada sexual, diga-se de passagem, nós só vivíamos em uma cidade entediante.

Kai sabia encenar muito bem, encarnava o papel de bom moço que eu achava que, às vezes, ele se esquecia que não era. Foi tão convincente que vocês acreditaram, em algum momento.

Tudo bem, minha narração nunca foi confiável, mas Kai fez com que a cidade inteira caísse nos seus encantos, até a estrangeira que se dizia esperta acreditava na bondade dele.

Eu sei o que vocês realmente querem saber, o porquê eu morri — fingi que morri — e porque cheguei a essa medida drástica. Estou enrolando, desculpe, as coisas não saíram da maneira que eu esperava, mas é o certo a se fazer quando um lugar te incomoda, não é? Quando você não deseja mais ficar, a solução é ir embora.

Eu queria ir embora e escolhi fazer isso da maneira mais definitiva possível. Eu não podia simplesmente sumir, meus pais não descansariam até me encontrar, e a cada dia que passava eu queria desesperadamente recomeçar. Morrer foi a melhor solução. As pessoas não falam mal de mortos, ainda mais quando é uma morte repentina, trágica, de alguém que ainda tinha muito para viver. Eu seria a eterna Rosé, a pura e angelical, a intocada, a boa criança, o símbolo de Huimang Hill.

O começo do plano já rondava a minha cabeça há muito tempo, mas numa noite, quando Kai veio à minha casa, porque queria fumar e beber e falar mal da namorada, porque tinha descoberto que ela o traíra, e que, infelizmente, Jennie se mostrava uma versão diferente da garota para se casar e ser a futura primeira dama que ele esperava, nosso plano criou forma.

Kai achava que só ele podia ser subversivo, rebelde, trair, viver intensamente e naquela noite, queria vingança. Ele descobriu que estava sendo traído duas vezes, que Jennie tinha roubado Lisa dele. Não era hilário? Mas ele não achou graça, elas queriam ir embora e ele não queria que elas fossem. Eu até entendia, óbvio, quem não queria ir embora de Huimang Hill?

Não conte nada a ninguémOnde histórias criam vida. Descubra agora