22 - O SACRFÍCIO

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Ela não temerá a morte, pois em seus braços encontrará a paz.❞.

—𝕱𝖗𝖆𝖌𝖒𝖊𝖓𝖙𝖔𝖘 𝖉𝖔𝖘 𝕽𝖊𝖌𝖎𝖘𝖙𝖗𝖔𝖘 𝕯𝖗𝖚𝖎𝖉𝖆𝖘,

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Lembro da primeira vez em que me deparei com a morte. Eu ainda era uma criança, não tão pequena que não compreendesse a grande dimensão de tal fatalidade, apenas uma criança na idade em que a curiosidade sobre o mundo é demasiada aguçada.

Minha família morava em um lugar afastado da maioria das civilizações. Papai costumava a dizer que ser um druida solitário não era algo bem visto pelas pessoas que o temiam alegando que ele não passava de um feiticeiro cruel e disparavam severos rumores afirmando que ele estava preparado para matar a todos que ousassem a se aproximar dele e sua família. Então vivíamos afastados e em paz conosco e com aqueles que ainda não nos temiam.

Nossa subsistência era baseada no que éramos capazes de produzir com nossas mãos: comíamos o que plantávamos, criávamos algumas galinhas, possuíamos duas vacas e também dois cavalos que ajudavam a arar as terras. Entretanto, em determinado ciclo da roda da vida, um inverno rigoroso se abateu sobre o local em que habitávamos, e nós, assim como as demais famílias que viviam aos arredores, quase definhamos com a falta de alimentos. O pouco que tínhamos não era o bastante para alimentar os animais, portanto, um de nossos potros infelizmente sucumbiu com a fome.

Recordo-me desse dia com muito pesar...

O Sol acabara de surgir na imensidão do céu quando segui meu pai até o celeiro e nos deparamos com o com aquele grande animal estirado ao chão, agoniando em seu sofrimento. Ele estava tão magro, que já não era capaz de se manter em pé. Sua respiração lenta e entrecortada saia de sua boca com um esforço sofrido, e em seus olhos, havia uma tristeza que só aqueles que estão à beira da morte conseguem exibir.

Papai se abaixou perto do cavalo e afagou sua crina marrom. O animal olhou com atenção para homem ao seu lado. Seus grandes olhos negros deram a impressão de que poderia falar, ainda que não se comunicasse com humanos.

— Pode curá-lo? — indaguei ao meu pai, pois sempre o via usar a magia para curar os animais quando estes se machucavam.

— Não! — ele respondeu sem desviar os olhos do cavalo. — Posso curar uma pata quebrada, um corte na perna ou na barriga. Mas não posso acabar com sua fome e creio que seja tarde demais para salvá-lo. — Concluiu em tom de lamento.

Também me aproximei do cavalo e fiquei ao seu lado.

— Ele está sofrendo. — sussurrei com tristeza, percorrendo os meus pequenos dedos nas costelas expostas do animal.

— Eu sei. — Suspirou profundamente — Há apenas um jeito de acabar com seu sofrimento. — Papai tirou uma adaga da bainha do cinto, segurou-a firme em sua mão e a levou próximo ao coração do cavalo.

— Vai matá-lo? — perguntei alarmada.

— Sim! Pode fechar os olhos se achar que isso é demais para presenciar. — aconselhou como um aviso de que algo ruim iria suceder.

Eu não fechei os olhos. Em completo silêncio observei a adaga invadir a carne do cavalo e vi o sangue derramar sobre o chão. O animal se debateu, arregalou os olhos, soltou um longo suspiro e depois morreu.

Não havia mais dor, nem fome. Somente um corpo vazio

— Descanse agora, meu querido! – eu sussurrei, traçando minhas mãos pela extensão do corpo do cavalo morto. Por fim, fechei seus olhos petrificados e desejei que estivesse em paz.

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