Quando me acalmo, conto sobre a proposta de Paris, e Eric fica em completo silêncio.
- Então, o que você acha? – pergunto, olhando para seu rosto inexpressivo.
Ele é realmente bonito. Seu cabelo castanho claro sempre bem peteado, faz um contraste com seus olhos negros. Uma palavra certamente definiria Eric. Impecável. Está certo que em casa ele é extremamente desorganizado, mas sua aparência é impecável. Ele é atraente, e irresistível. Caso contrário, eu não teria me entregado a ele. Não do jeito como aconteceu.
- Eu acho isso muito bom. De verdade. Meus parabéns – ele responde, me tirando dos meus pensamentos. Mas tem algo diferente em sua voz. Uma leve aspereza.
- Obrigada. Mas eu não sei, se devo aceitar – digo sentindo um nó na garganta.
- Claro que deve. É a chance da sua vida.
Quando ele diz isso, desvia seu olhar do meu.
- Rachel me disse isso também. Mas... Eric, Paris não é logo ali. Como fica... Como será que...
- Eu sei aonde você quer chegar querida – ele diz me interrompendo. – Mas não precisa ser muito inteligente para saber que não tem como continuar, comigo em Londres, e você em Paris. Só se você não aceitar a proposta, porque eu não posso me mudar com você.
Essas palavras doeram como uma punhalada. Eu vejo a história se repetindo. Será que a cada degrau que eu subir em minha profissão, terei que pisar em alguém que amo? O que me deixa realmente triste, é ver como Eric está reagindo a isso. Ele está frio, me olha como se eu tivesse feito algo muito errado. Como se cogitar a hipótese de ir para Paris e deixa-lo aqui, fosse algo imperdoável. Eu não quero passar por essa situação de novo. Por mais que tudo o que eu queira seja agarrar essa chance com todas as minhas forças, eu simplesmente não sou capaz de fazer isso. Não se o preço for o fim de mais um longo relacionamento.
- Eu não quero perder você – digo, sem saber se estou sendo sincera.
- Mas tenho certeza que você também não quer perder essa chance – ele diz, em tom de desafio. Me colocando na parede, para eu escolher o que eu realmente quero.
Vou até a janela, e olho para a rua lá embaixo. As pessoas estão pequenas, andando tão rápido. Os carros estão rápidos. É tudo muito rápido. Olho para Eric, que me olha, esperando uma resposta. Percebo como a vida é rápida, como o tempo em que estou com Eric passou rápido, e como ele nunca me proporcionou mais que posição social e sexo. Eu posso não amar ele loucamente como uma adolescente. Mas quero formar uma família com ele. Trocar a profissão dos sonhos, por uma família parece justo.
- Eric, eu não vou para Paris, nem para qualquer outro lugar, onde você não esteja. É só você dizer que sim. É só você dizer que quer se casar comigo – digo, encarando-o.
Eu não esperava que um pedido de casamento fosse partir de mim. Não esperava que a resposta seria assim. Eu esperava na verdade ao menos uma resposta. Eric engole em seco várias vezes, e essa ausência de palavras, faz eu entender que poderiam passar dez, vinte anos, e ele não se casaria comigo. Caminho lentamente em direção a porta, ainda sem acreditar que ele está sendo capaz de agir assim. Meus olhos estão cheios de lágrimas, mas posso afirmar que não estou triste. Estou com raiva. Ódio da pessoa que convivi nos últimos quatro anos. Mal reparo no caminho que faço até chegar a calçada. Estou um pouco tonta, e muito enjoada. Faço sinal para um taxi, e estou entrando, quando Eric aparece, vermelho, descomposto.
- Emilly, você me pegou de surpresa, me desculpe, é que casar, é algo a se pensar muito antes, você me entende? – ele diz, seus olhos aparentemente marejados.
- Quatro anos não foi tempo o suficiente para você pensar? – grito, e logo percebo que as pessoas ao redor estão nos observando. - Conversamos em casa mais tarde.
- Está certo. Amo você – dizendo isto, ele me dá um beijo na testa, e observa enquanto eu entro no taxi. Conforme vou me afastando olho para trás e vejo sua figura elegante diminuindo, até sumir de vista.
Percebo que não quero conversar com ele mais tarde. Não quero conversar com ele, nunca mais. Pego meu celular, e ligo para um número que a muito tempo eu não discava.
- Mãe?
- Filha! Está tudo bem? É que você não liga, faz tanto tempo – responde minha mãe, a voz já embargada.
- Está. Na verdade nem tanto. Arruma o meu quarto? Vou passar uns dias em casa.
- Claro. Que ótimo, eu e seu pai estávamos com tanta saudade.
Preciso desligar antes que ela comece chorar.
- Eu também mãe. Até mais tarde certo?
- Sim, mas, me diz o que está acontecendo, para você vir para cá assim?
- Nada, é só que, acho que estou solteira. Preciso de um tempo longe, para pensar.
Meus pais viram Eric pessoalmente apenas uma vez, nesses quatro anos. Parece que ele não fazia muita questão disso. Por esse motivo, meus pais nunca gostaram dele.
- Emy, eu sinto muito – ela grita.
- Não sinta mãe. Te vejo mais tarde. Eu te amo.
Quando o táxi para em frente a luxuosa casa na qual morei nos últimos anos, percebo como não me encaixo nesse lugar. Entrego uma nota ao motorista e percebo que é o mesmo que me levou até o escritório de Eric.
- Como é seu nome? – pergunto.
Ele fica surpreso. Reparando bem, ele parece até jovem, por baixo da barba por fazer, o cansaço óbvio e algumas rugas.
- Hum, é Raul. A senhora é aquela moça famosa que faz roupas né?
Pela primeira vez, o reconhecimento não me causa tanta felicidade. Suspiro.
- Sou sim. Você tem filhos Raul? Esposa?
- Tenho sim senhora. Quatro filhos. Minha esposa está grávida do quinto.
Agora eu que fico surpresa. Olho para esse homem, de sotaque estranho, que passa o dia, e talvez a noite, dirigindo pelas ruas de Londres, com tantos filhos e uma esposa grávida para sustentar e me sinto muito triste. Tiro uma quantia generosa da carteira, esperando que meu gesto não seja mal interpretado.
- Raul, você se importaria em receber um pouco a mais por essa corrida? – pergunto, enquanto estendo as notas em sua direção.
Ele olha, impressionado, não sei se pelo meu gesto, ou pela quantidade de dinheiro e nega com a cabeça.
- Senhora, obrigado, mas eu não posso aceitar. Isso é mais do que eu ganharia num mês inteiro de trabalho. Não é justo.
Sorrio.
- Faça assim então. Pegue este dinheiro, e compre algo para agradar sua esposa e filhos. É um presente, você não pode negar.
Para minha surpresa, ele começa a chorar. Ele pega o dinheiro, com as mãos tremendo, e me agradece, várias vezes.
- Com esse dinheiro, vou poder pagar o médico para minha filhinha. Sabe – ele consegue dizer em meio aos soluços – ela é muito fã da senhora.
Eu começo a chorar também. Não pergunto o que a filha dele tem, e não me importo também se tudo o que ele disse é mentira ou verdade. Me sinto estranhamente bem, por estar fazendo algo supostamente bom para alguém.
- Diga a ela que mandei um beijo.
Ele assente, agradecido, e sai lentamente com o carro, ainda chorando. Enxugo minhas lágrimas, e percebo que nem me lembro quando foi a última vez que chorei tanto. Isso me faz pensar, no tipo de pessoa que me tornei nos últimos anos. Me faz pensar se aquela criança risonha, ou a adolescente tímida e brega que fui, teriam orgulho da pessoa que me tornei. Algo, lá no fundo, me diz que não. Enxugo uma nova onda de lágrimas e decido que vou ser uma pessoa melhor. Mesmo que isso implique encarar o passado. Mesmo que isso implique encarar Jack Lanster, que não sei por qual motivo, não sai do meu pensamento desde o momento em que acordei.
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E se...?
Non-FictionQuem nunca pensou sobre o que poderia ter acontecido se tivesse feito escolhas diferentes na vida? Emilly Foster é uma designer bem sucedida, e seu namorado Eric é a personificação da perfeição. Porém, ela se sente incompleta, sente que algo falta e...