JACK
Me viro na cama, e minhas mãos tocam em algo estranho. Tocam em um corpo, que apesar de ser bem estranho, chega a ser familiar. Não sei porque isso tem acontecido tanto, só sei que tem que parar. Pego meu celular, em meio a uma pequena bagunça no chão, e vejo que está bem tarde. Vejo também que hoje é dia 10 de junho. Uma data, que sempre irá me trazer lembranças, ás vezes tristes, ás vezes boas. Me levanto ainda com a roupa da noite anterior e cutuco Jéssica Campstain que está deitada em minha cama, com roupas bem minúsculas.
- Você tem que parar com isso – digo deixando escapar minha irritação.
- Jack, bom dia pra você também – ela retruca, com a maquiagem borrada, fazendo seu rosto ficar muito estranho, o que me faz rir. Vou para a cozinha tomar um café, enquanto ela se veste. Logo ela aparece, e encosta no balcão, vestida com uma camiseta minha.
- Não quer voltar lá pra dentro e continuar o que começamos ontem? – ela pergunta, com uma expressão que era para demonstrar safadeza, mas o excesso de rímel espalhado em seu rosto, não deixa eu saber se ela está excitada ou com dor.
- Jéssica, eu posso ter bebido bastante ontem, mas eu me lembro muito bem do que eu fiz. Você tem que parar de vir para cá, e fingir que transa comigo – digo sério, para ela perceber que não estou brincando.
Ela dá de ombros e tira a camiseta. Essa garota só pode ser maluca. Ela está totalmente nua. Eu ficaria até feliz se isso estivesse acontecendo comigo, sendo outra pessoa aqui na minha frente. Sendo outro dia no calendário.
- Duvido que você não me queira. Você sempre me quis. Nós estaríamos juntos até hoje, se não fosse aquela vadia da Emilly se intrometer. Por que você está resistindo tanto? Já faz uns seis anos desde que aquela idiota te abandonou. Supere isso.
A raiva por Jéssica ter insultado Emilly explode em mim. Olho para suas curvas exageradas, a cicatriz defeituosa que resultou de uma cesárea de urgência, seu cabelo tingido de vermelho sangue, e chego a ficar enjoado.
- Cala essa sua boca – grito. - Por que você não vai para sua casa cuidar do seu filho, ao invés de ficar atrás de mim? Quantos anos ele tem? Três? Você acha que é um bom exemplo seu filho crescer vendo a mãe agir como uma vagabunda correndo atrás de todos os homens dessa cidade?
Pela expressão dela, percebo que fui duro demais. Mas alguém tinha que falar. Só não queria que fosse eu. O que me deixa mais nervoso, não é ver ela acabando com a própria vida assim. É ela ter a coragem de insultar alguém, que não fez nada além de ser sua amiga.
- Sabe Jack – Jéssica diz, quase num sussurro – eu não corro atrás de todo mundo, como você disse. Eu corro atrás de você. Porque eu te amo. Eu ainda vou ter você.
Respiro fundo, tentando evitar que as palavras saiam, mas sem muito sucesso.
- Quando você entender o que é amor, você vai ver que as coisas não funcionam assim.
Ela se vira e vai para o quarto. Quando ela volta, graças a Deus, vestida, chega bem perto de mim, e sussurra no meu ouvido:
- Quando eu conseguir ter você, nunca mais você vai querer ter outra pessoa. E ainda vai se arrepender por ter me trocado por aquela magrela quando éramos adolescentes.
Ela caminha lentamente para a sala, e quando eu escuto a porta se abrir, não me contenho.
- Jéssica! – grito.
- O que foi, já mudou de ideia? Quer que eu fique aqui com você? – ela grita.
- Eu só quero que você saiba que... – suspiro, sem saber se devo continuar.
Ela volta até a cozinha, e me encara.
- Que? – ela incentiva.
- Que eu nunca namoraria com você. Nem mesmo naquela época.
Seus olhos ficam marejados, e quando ela sai em disparada e bate a porta, tenho a certeza de que ela nunca mais irá voltar. Respiro aliviado, pego um cigarro, uma xícara de café, e vou para os fundos da minha casa, onde cultivo um enorme jardim, com algumas flores que a mãe de Emilly me deu. Sento em um banco de madeira, presente de Arnold, pai de Emilly, e fico extasiado olhando para as belas flores, até que meu olhar encontra algumas violetas azuis. Tão azuis quanto os olhos de Emilly. Isso, faz aflorar todas as lembranças, que essa data tão única, traz.
Eu não sei o que houve comigo. Eu fiquei simplesmente apavorado. Quando Emilly contou seus planos para o futuro, eu logo vi que eu não estava incluso neles. Por um tempo, sim, mas e depois? Essa perspectiva de perde-la quase me enlouqueceu. Eu, ao invés de apoia-la, tentei a todo o custo, fazer ela mudar de ideia. Mas ela já sabia o que queria, e se fosse para ela escolher, entre eu e seu futuro promissor, eu sei qual seria a escolha. Não fui eu. Hoje em dia, eu vejo como ela tinha razão. Mas naquela época, eu estava muito desnorteado para raciocinar.
Eu nunca soube, qual foi o motivo que me levou a amar Emilly tão rapidamente. Quando a vi, na praia pela primeira vez, eu soube que estaria ligado a ela para sempre, e mesmo se não ficássemos juntos, eu ainda iria ter um pouco dela comigo. Sempre. Eu estava disposto a não desistir dela, e no fim fui recompensado, por ter tido os melhores anos de minha vida, ao lado da garota que eu amava. Que eu ainda amo. Não sei. Acho que o pior jeito de acabar um relacionamento, é perder a pessoa, sabendo que ambos se amam. É algo que parece tão errado. As pessoas vivem em busca de um amor correspondido, fazem de tudo por essa plena sensação de felicidade, e eu simplesmente perdi isso. Quando Emilly partiu para Londres, me deixando aqui em Brighton, eu me senti como quando eu era criança, e perdi meu pai. A única diferença, é que Emilly não havia morrido. Só para mim. Naquela noite, eu dirigi como um louco, até o meu refúgio. Um lugar que só Emilly e eu sabíamos da existência. Lá, eu chorei como quando era criança, com aquela sensação de que a dor nunca iria passar. Mandei uma mensagem para ela, uma mensagem estúpida, pedindo pela última vez para ela ficar. Nunca tive uma resposta. Engraçado, que era nosso aniversário de namoro. Eu havia preparado uma surpresa para ela. Eu ia pedir ela em casamento. Peguei do bolso da minha calça, a caixinha com as alianças, já gravadas. Eu ia jogar fora, mas eu mantinha a esperança de que nós iríamos ficar juntos, mesmo que passassem anos. Hoje, tantos anos depois, toda a esperança que eu tinha, evaporou. Todas as vezes que eu tentei falar com Emilly, não consegui. Todos os recados que mandei pela mãe dela, não obtive resposta. Talvez, eu tenha sido destinado a isso. A parte boa, é que ganhei pais maravilhosos. Arnold e Helenna, foram o meu lar, quando ambos sofríamos pela ausência de Emilly, e quando eu perdi minha mãe.
Me levanto, decidido a abandonar esses pensamentos tristes, afinal é só mais uma data marcante dentre muitas que virão. Tenho que cuidar do meu pub, que graças a muito trabalho se tornou o maior e mais famoso da cidade. Tenho que cuidar dos negócios da minha gravadora, onde vários artistas famosos gravaram seus cd’s. E ainda tenho que continuar a minha busca, pela garota, que faça eu me sentir mais vivo. Que faça eu esquecer Emilly de uma vez por todas. Algo me diz que é esta noite que vai acontecer. Esta noite eu vou encontrar a garota, que vai me fazer entender porque não deu certo antes. Jogo fora a bituca do cigarro, prometendo mentalmente, como todos os dias, que vou parar de fumar. Decido, parar na casa dos Foster, antes de ir para o centro. A necessidade de saber se Emilly está bem, ficou quase insuportável.
A notícia que recebo, faz meu coração desacelerar. Numa coisa eu estava certo. Esta noite pode acontecer. Eu posso finalmente encontrar, não alguém que faça eu esquecer Emilly, mas alguém que faça eu me lembrar dela ainda mais. Esta noite eu tenho a chance de finalmente ver Emilly novamente. Esse pensamento, faz eu me sentir feliz e triste ao mesmo tempo. Por mais que eu nunca tenha esquecido essa garota, ao mesmo tempo eu nunca seria capaz de me envolver com ela novamente. Há um motivo para não ter dado certo na primeira vez. É pedir para se machucar de novo, persistir em algo que todos sabem como pode terminar.

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E se...?
No FicciónQuem nunca pensou sobre o que poderia ter acontecido se tivesse feito escolhas diferentes na vida? Emilly Foster é uma designer bem sucedida, e seu namorado Eric é a personificação da perfeição. Porém, ela se sente incompleta, sente que algo falta e...