Quatorze

49 11 47
                                    

Não era comum eu sentir preguiça ao acordar, mas estava trabalhando tanto nos últimos dias que acordar cedo já era uma tarefa difícil para mim

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Não era comum eu sentir preguiça ao acordar, mas estava trabalhando tanto nos últimos dias que acordar cedo já era uma tarefa difícil para mim. Coloquei uma calça azul já quase desbotada, uma camisa branca larga, precisava no mínimo de conforto para conseguir pensar. Fui ao escritório para organizar todos os papeis que entregaria a Richard naquela manhã, Mary havia deixado a xícara com café quente no canto da minha mesa, como fazia todos os dias. Eu trabalhava para Richard desde que comprei a nossa nova casa, o que recebia dele era suficiente para ter uma boa vida, não havia luxo como nas outras residências que eu tinha, mas desde quando a minha mãe faleceu, aquela era a única casa onde eu era amado.

Após terminar o trabalho, desci para o desjejum, Richard já estava reunido com eles na sala. Conversavam sobre Camille, uma moça francesa por quem o meu amigo estava apaixonado. Infelizmente ele não sabia como cortejar uma mulher tão elegante e sempre me procurava para pedir conselhos – como se eu tivesse muita experiência com romances.

Não ficou muito tempo conosco, disse que havia muito trabalho a ser feito e que nos visitaria em breve. Assim que saiu, voltei ao escritório para ler os novos papeis que havia deixado e analisar como estava a situação uma das suas propriedades; ele que não tinha muito talento para administrar.

Algumas horas depois voltei para a sala e encontrei apenas Mary, ela trocava o arranjo de flores de um vaso ao lado do sofá. Eram tulipas laranjas, as preferidas de Laila. Mary pintara tulipas de várias cores em um quadro, "para que a sra. Thomas possa ver suas flores favoritas mesmo durante o inverno", dizia ela. O quadro das tulipas ficava ao lado de um retrato de família, seguido por um retrato da Laila, ambos pintados por Mary.

A nossa casa era pequena, uma casa comum de campo, com quatro quartos, um cômodo que Laila usava como seu quarto de vestir, um escritório, uma biblioteca, cozinha, sala de jantar e sala de visitas.

Eu procurei por toda a casa e não os encontrei. Já estava quase na hora do almoço e ainda não haviam voltado, como sempre acontecia. Mais uma vez fui procurá-los ao redor da casa, andei um pouco entre as arvores do quintal gramado, no campo que havia depois do pequeno muro de pedras que limitava a nossa propriedade e perto do lago onde costumavam ficar sentados durante horas cuidando das flores que plantamos quando nos mudamos. Quando cheguei na parte de trás da casa e consegui vê-los, senti meu corpo transbordar de felicidade, como acontecia todos os dias, há quatro anos.

Ela estava com um vestido marrom de mangas longas e os cabelos presos em um coque, e ele com calça preta e camisa branca. Ambos estavam tão simples e ainda assim faziam com que eu me sentisse o homem mais rico de toda a Inglaterra.

Ele tentava alcançá-la, correndo sem parar e gargalhando alto, as vezes ela o permitia ganhar e ele saltava de alegria, acreditando ser o mais rápido de todos. Eu os observava de longe com um sorriso no rosto.

Assim que Laila me viu parado, abriu um lindo sorriso e acenou. Continuaram a brincadeira alegremente enquanto eu andava até eles, sem pressa, desfrutando aquela linda visão e tentando acalmar meu coração apaixonado.

– O que vocês aprontaram hoje? – Perguntei ao pequeno John, agachando-me na sua frente.

– Eu peguei a mamãe mais uma vez, papai. Sou mais rápido e forte do que ela.

– Querida, – Olhei para Laila enquanto pegava John nos braços – você precisa se alimentar melhor. Perdeu para uma criança de quatro anos!

Ela me empurrou sorrindo e em seguida me deu um beijo rápido. Durante os cinco anos de casamento eu havia me acostumado com a forma diferente que ela me tratava, não me chamava de senhor, não se importava em demonstrar afeto quando haviam outras pessoas por perto e sempre sorria para mim. Era diferente de todas as outras esposas; para ela era importante mostrar o quanto me amava.

– Seus olhos estão vermelhos – Ela tinha um tom de preocupação na voz.

– Richard pretende vender a propriedade de Derbyshire que queria nos dar, mas precisará reformar a casa. Como sabe, não é a casa mais discreta da Inglaterra, então os gastos serão muito altos; eu estava tentando encontrar uma forma de economizar. O velho, pai dele, nunca foi muito modesto e fazia questão de mostrar sua riqueza, agora Richard está tentando remediar a situação do pai, caso contrário, acabará sem sua herança.

– Eu entendo, mas você tem bastante tempo para resolver a situação. O que acha de fazermos um piquenique hoje à tarde? Assim você descansa um pouco.

– Claro, meu amor. Estou mesmo precisando passar mais tempo com vocês.

– A mamãe é a melhor! – Disse John assim que o coloquei no chão.

– O quê? – Fingi estar irritado – Você prefere a mamãe?

Ele riu e correu para longe de nós, como se nos chamasse para uma brincadeira. Recordei-me do dia do seu nascimento. Apenas Mary, Richard e eu estávamos em casa quando Laila entrou em trabalho de parto, permaneci ao lado dela e auxiliei Mary durante todo o processo, apesar de estar à beira de um desmaio com tantos gritos e sangue. Richard não presenciou nada de terrível além dos gritos e mesmo assim estava sentado na sala, branco como um papel. Quando vi aquele menininho nos braços da minha esposa, soube que seria impossível ser mais feliz. Seu rosto, pele e cabelos eram idênticos aos da sua mãe, com exceção dos olhos azuis e as sobrancelhas grossas, parecidas com as minhas.

Brinquei com nosso filho, segurando seus punhos e girando-o; ele gostava quando eu fazia isso, gargalhava como um bebê. Parei de girar John quando ouvi Laila sussurrando o meu nome, olhei para trás e estremeci ao ver o corpo de Laila perder a cor aos poucos; sua expressão era de medo e ela olhava para as próprias mãos com temor. Corri até ela, mas foi tarde demais, ela desapareceu completamente depois de dizer um "eu amo vocês" sussurrado e fraco. Eu jamais seria capaz de me esquecer daquele momento; as lagrimas que caiam pelo seu rosto, o medo que nós sentíamos, a certeza de que eu viveria sem a minha amada e o desespero que invadia meu peito ao imaginar para onde ela teria ido.

Ajoelhei-me no chão, perplexo, em meio às lágrimas recordava-me de todos os nossos momentos bons. Quando ela entrou na capela com aquele vestido de rendas douradas e um sorriso mais brilhante que a mais linda estrela; quando me deu a notícia de que iríamos ter um filho. Todas as vezes que acordava e ouvia sua voz vindo de algum lugar da casa, cantarolando enquanto preparava o desjejum, ou arrumava a mesa; até mesmo do primeiro beijo e da nossa primeira noite.

Lembrei-me de como ela me batia quando eu a assustava sem querer, de como ela ria sozinha quando tropeçava em algum móvel ou quando adormecia no sofá e sussurrava meu nome.

Eu a havia perdido, para sempre, talvez.

Não Sei Como VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora