Oito

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Eu a observei servir o próprio chá, estava estranhamente calada e desde que conversamos sobre o desconforto dela na minha casa, as únicas frases que disse foram "que bolo delicioso" e "eu gosto do café da manhã na sua casa"

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Eu a observei servir o próprio chá, estava estranhamente calada e desde que conversamos sobre o desconforto dela na minha casa, as únicas frases que disse foram "que bolo delicioso" e "eu gosto do café da manhã na sua casa". Ela levou a xícara a boca e deu uma pequena mordida em um dos pães.

– Não vai comer? – O vento balançava seus cabelos sob o chapéu enquanto me olhava com ternura.

– Sim – Despertei – Claro.

– Você está distraído – Exclamou me servindo uma xicara de chá – No que está pensando?

– Não é educado perguntar algo tão pessoal – Ela pareceu constrangida; sorri – Estava me perguntando... que tipo de pensamento a deixaria quieta dessa forma?

– Que falta de educação – Disse sorrindo – Na verdade eu estava apenas admirando a sua escolha.

– Eu poderia saber que escolha eu fiz que foi capaz de deixá-la calada? – Brinquei fazendo-a rir abertamente.

– Você escolheu um lugar lindo.

– Este é certamente o lugar mais lindo em toda a minha propriedade.

– Até onde vai a sua propriedade?

– Até o fim daquele outro bosque – Apontei para o bosque que ficava depois da área gramada a nossa frente.

– É bem grande – Ela ainda olhava na direção em que apontei.

– Como é a sua casa, senhorita Laila?

Voltou a me olhar.

– A minha casa deve ser do tamanho da sua sala.

Não consegui conter o riso.

– Para de rir – Disse seriamente – Estou falando sério. Onde eu moro as casas não são grandes como a sua, geralmente têm dois ou três quartos, não tem jardim e são muito próximas umas das outras.

Continuei em silêncio, ela prosseguiu:

– A minha casa tem três quartos, um dos meus pais, um meu e um fica vazio para quando chega visita. Tem uma sala, a cozinha e dois banheiros.

– Os seus pais dormem juntos?

Uma expressão de dúvida surgiu em seu rosto.

– Aqui os casais dormem em quartos diferentes – Expliquei.

– O mundo mudou bastante.

– Creio que sim.

Terminamos o café da manhã e decidimos voltar para casa, e apesar do frio que sentíamos, andávamos a passos lentos, puxando os cavalos em silêncio. Sempre que eu me oferecia para ajudá-la a atravessar alguma parte mais íngreme e escorregadia em meio a folhas caídas, ela recusava com um sorriso doce e eu me sentia estranhamente triste por ela não me permitir tocá-la como fizera na noite anterior. Dançar com ela e até mesmo abraçá-la me possibilitou vivenciar sentimentos nunca antes provados por mim; sentimentos estes que pareciam passageiros e insignificantes, entretanto, mesmo após algumas horas de profundo sono, permaneciam em mim.

– O que vai fazer esta tarde? – Ela disse, dando fim ao silencio.

– Pretendo cavalgar.

– Posso ir com você? – Finalmente tínhamos chegado ao jardim.

– A senhorita deve estar cansada, mas se quiser pode ir sim. Assim poderá conhecer toda a vila.

Ela parou e se virou de frente para mim.

– É impressão minha ou você está mais gentil depois que voltou de Londres? – Perguntou tentando não deixar a hesitação em sua voz transparecer.

– Voltar a ver o meu pai depois de alguns meses me fez ter ainda mais convicção de que eu não quero ser como ele – Respondi olhando em seus olhos.

– Então antes você estava agindo como o seu pai?

– Não! Ele é muito pior do que eu poderia ser. O meu pai afasta todas as pessoas da vida dele, inclusive a mim. A forma como eu a tratei quando chegou aqui te faria me odiar depois de um tempo e eu não quero que isso aconteça.

– Por que não? – Ela era realmente muito curiosa.

– Em dois anos você foi a única pessoa desconhecida a entrar na minha casa. Apesar de ser estranha, você alegra o lugar.

Ela sorriu e abaixou a cabeça timidamente, como fazia no baile quando estava com Richard. Me lembrar daquilo fez meu peito doer. Naquele momento eu percebi que não queria perdê-la.

Me aproximei devagar com o coração acelerado, toquei seu rosto tentando parecer calmo. Ela ergueu a cabeça até seus olhos encontrar os meus e assim que tomei um pouco de coragem comecei:

– Eu não sei como você veio para cá e nem como fará para voltar para casa... Eu estou sendo muito egoísta por desejar algo assim, mas eu espero que não encontre uma forma de voltar. Este lugar não será o mesmo sem você. Eu não serei o mesmo.

Eu notei sua timidez assim que as últimas palavras saíram da minha boca, ela olhou para a grama, perdida, como se pensasse em uma resposta. Em nenhum momento ela tentou fugir do meu toque, e eu não a culparia se o fizesse, aquela declaração foi precipitada.

Pigarreei e tirei a minha mão do seu rosto.

– Perdoe-me, Laila, eu... não precisa responder, eu não tive a intenção de desconcertá-la.

Encarou-me, ainda constrangida e segurou delicadamente o meu paletó azul. Fiquei paralisado ao ver sua aproximação e senti um frio percorrer todo o meu corpo ao sentir seus braços frágeis envolvendo minha cintura em um abraço tímido.

– Você sabe que eu gosto quando me chama de 'senhorita' – Ela disse com a bochecha colada no meu peito.

– Então, a senhorita não vai me repreender pela minha declaração egoísta?

– Não – ela disse com a voz fraca, se afastando – Não é tão egoísta. Foi bonitinho, mas você sabe que não posso prometer que vou ficar. Eu tenho a minha vida, minha família e por mais que eu goste daqui eu tenho que voltar.

Ouvir aquelas palavras fez a pouca esperança em mim desaparecer.

Não Sei Como VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora