10- Mia

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— Para de ser maluca!

— Ah tá, como se houvesse um botão e eu conseguisse desligar! — berrei em resposta, mas o pub estava tão cheio e barulhento que ninguém percebeu.

— Por que você terminou com o Garrett, afinal? — indagou Christian, ele bebericava sua primeira cerveja, eu já tinha perdido as contas de quantas tomei.

— Sei lá, porra! Eu nem sabia que tínhamos começado. Eu não ficava pensando nisso, ou pelo menos não quis pensar. É mais fácil agir assim, como se fosse a merda de um impulso — fechei os olhos e abaixei a cabeça, batendo de leve na mesa — Eu sinto tanto a falta dele. E não só pelo sexo, a gente conversava todo dia, por mensagem ou ele me ligava no final da noite para saber sobre os mortos do trabalho — eu estava tonta e péssima.

— Você gosta dele, Mia. Merda! Assuma isso e vão ser feliz — sugeriu Chris. Ele soava tão sensato.

— Eu não sei se é isso que eu quero — apoiei meu queixo na minha mão — Eu estou com medo de acontecer a mesma coisa que aconteceu com Matthew, e eu voltar para o mesmo lugar que estava há três anos.

— Que lugar era esse? — ele quis saber.

— Frio, solitário e... sufocante — chorei baixinho — Eu estava perdida nesse lugar, sem ninguém para amar e, sobretudo, sem ninguém me amando... Nem eu mesma — desviei os olhos, os deles eram negros e me observava com uma espécie de... entendimento — Daí veio você, Lia, Chloe, Garrett, Gabe e até mesmo o Matthew. Eu me senti explodindo por dentro, feito um fogo de artifício. Era como se eu estivesse completa.

— E por que você não pode ter isso com Garrett? — ele parecia a merda de um analista.

— Porque... sei lá, caralho! — eu falava muito palavrão quando estava sã, bêbada era como se um adolescente inconsequente morasse dentro de mim — Eu não quero amar ninguém mais do que me amo. E eu sei, que se eu deixar Garrett entrar, vou perder um pouco do que levei para construir nesses três anos.

— Você gosta do que se tornou, é compreensível o medo de regredir — afirmou — Quando Lia voltou para a minha vida, uma parte minha sempre duvidava e questionava a todo momento o que estava acontecendo e até quando — ele riu nostálgico — Você não tem que encontrar alguém, não tem que namorar, casar, ter filhos... Você apenas tem que ser fiel ao que sente, e viver como quiser, afinal, a vida é sua.

Eu amei o Chris mais um pouco esse momento. Depois da discussão com Garrett na terça-feira, eu me senti horrível. Era como se eu o tivesse usado para o meu prazer, como se eu o tivesse deixado acreditar que eu seria dele completamente. E eu nunca quis que ele pensasse isso, porque eu estava feliz demais sendo egoísta, amando-me tão profundamente que não prestei atenção nele.

Minha prioridade havia se tornado a Chloe. Eu queria que ela fosse feliz e esquecesse a merda do passado que teve. Ela era a única pessoa que eu me preocupava além de mim, então eu não estava sendo atenta a mais nada. Eu me senti uma vaca sem coração depois que saí do apartamento do Garrett.

Merda, ele não merecia!

— Eu acho que o amo — revelei, pensando alto — Mas isso não significa que eu quero ser dele, eu quero ser dele também, e não apenas.

— Em que sentido? — ele franziu o cenho.

Christian era muito bonito, com seus cabelos pretos maiores do que o habitual, seus olhos escuros que pareciam afiados e atenciosos, seu corpo alto e forte — não tanto quanto o do Garrett—, e aquele sorriso grande que ele abria com tanta frequência. Mas eu o via como um irmão, desde sempre.

— Em todos. Quero dizer, eu quero ser dele quando ele lutar e eu estar lá para incentivá-lo, quando ele precisar de ajuda com qualquer coisa, ou até mesmo quando apenas desejar companhia para o almoço. Quero ser dele na cama, claro, e também num show de rock tarde da noite — ri, lembrando do último que ele me deu o bolo porque dormiu, depois de ter uma semana puxada demais — Mas eu quero poder voltar para a minha casa e encontrar a Chloe com cara de entediada vendo uma série na netflix, quero comentar com a minha amiga Annabelle sobre os caras mais bonitos do laboratório, e flertar com o carinha do metrô que tá lendo um livro em pé no vagão, sem me sentir péssima ou errada por nenhuma dessas coisas.

— Garrett é um cara legal e... fiel. Ele é do tipo de pessoa que se casa, compra uma casinha de cerca branca no subúrbio e tem vários filhos. Ele foi íntegro com a ex esposa até o último minuto, ele é assim, Mia. E eu não sei se é o cara perfeito para deixar você ser livre, pelo menos não do jeito que você quer.

Eu sabia disso, mas ouvir Christian falar apenas solidificou todos e meus maiores temores. Eu o conhecia o suficiente para saber que ele era o tipo de cara que a minha mãe ia desejar que eu me casasse, mas eu não queria um casamento, um relacionamento. Soava como uma prisão para mim. Qual era o problema de ser o que eu queria ser? Por que eu deveria me encaixar nos padrões que as outras pessoas se encaixavam?

Foda-se essa merda!

— Vou dar um tempo para ele e para mim também. Depois tento conversar e ver se chegamos a um acordo — dou de ombros, não confiando nenhum pouco no que acabei de dizer — Dizem que o tempo cura tudo, né? — brinquei, tentando afastar a sombra que pairou sobre nossas cabeças.

Eu não consegui enganá-lo com a minha tentativa de mudar de assunto. Sua sobrancelha arqueada revelava como ele não confiava que eu faria o que eu disse, mas ele não insistiu. Bebemos mais algumas e ele me acompanhou até em casa. Chloe já estava dormindo quando cheguei e eu fiz o mesmo, me afundando no conforto do casulo que era minha cama.

 Chloe já estava dormindo quando cheguei e eu fiz o mesmo, me afundando no conforto do casulo que era minha cama

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Acordei com o cobertor sendo levantado e Chloe se enfiado embaixo das cobertas comigo. Ficamos em silêncio, mas eu sabia que ela não tinha dormido. Ela sempre se enfiava na minha cama quando precisava conversar. Tinha sido assim logo que ganhei sua confiança e ela me contou o que tinha passado nessa vida. Foi assim quando Broke — o fedido — a beijou na festa da banda há algumas semanas.

— Eu fiz sexo essa noite — revelou, e minha cabeça entrou em conflito no mesmo instante, eu tinha muito o que perguntar, mas escolhi esperar — Foi com o Josh e, sim, usamos camisinha — ela esclareceu depois de um tempo — Fiz isso, porque fui na casa da Louise e encontrei o Daniel com outra garota, ela estava na cama dele. Fiquei com ciúmes, eu acho.

— Você gosta do Dan? O primo da Lou?

— Uhum — murmurou — Gosto dele desde... sei lá, desde que usava aquele aparelho que deixava a gengiva dele vermelha e um pouco inchada — ela riu e eu também — Enfim, eu fiquei com ciúmes e decidi transar com o Josh. Ele é um cara legal, me tratou super bem desde que nos conhecemos, então eu não estou me sentindo péssima por ter feito isso com ele.

— Por que, então? — indaguei confusa.

— Porque acho que não estava pronta, eu não senti vontade em nenhum momento. Apenas fiz porque coloquei na cabeça que tinha que fazer. Fiquei contando os minutos para acabar.

— A primeira vez sempre é uma merda...

— Eu sei, mas eu não deveria ter sentido alguma coisa? Depois que a dor passou, me sentia entorpecida, Mia. Foi horrível me sentir assim.

Ela chorou baixinho e eu a abracei. Desejava livrá-la daquela dor. Eu a confortei em meus braços até que seu choro cessasse, e contei para ela sobre mim e Garrett. Acho que ambas nos sentíamos péssimas por nossas escolhas, nossos sentimentos. Por não caber dentro da caixinha, como acreditávamos que caberíamos um dia.

A dor dela se encaixava na minha. E dois pedaços podiam formar um todo, ou apenas um monte de caco sem vida, sem cor. Naquele momento não queríamos sentir, não pulsávamos como sempre pulsamos. Eu estava cinza e Chloe era um tom semelhante ao meu.

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