Prólogo

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Meu nome é Clara, tenho uma casa simples, um carro velho, uma aparência tranquila e sou um anjo. Isso mesmo, um anjo. Não daquele tipo a quem os amigos atribuem o epíteto como um elogio carinhoso, mas um anjo de verdade.

Uma vez que estabelecemos isso, posso começar a abaixar suas expectativas. Aposto que você imaginou um ser de luz, alado e de beleza extraordinária. Um ser imortal que se senta ao lado de Deus pela eternidade. Aposto também que, antes de qualquer coisa, você esteja pronto para me perguntar como é Deus.

Bem, eu não sei, eu não O conheço. Não sou esse tipo de anjo. Estive no paraíso tanto quanto você.

Ando aqui pela Terra mesmo, tive pai e mãe humanos, posso morrer. Sou, em essência, como você. Não tenho asas, nem sou extraordinariamente bela, embora tenha certa graciosidade em mim que atraia os olhares dos que não estão imersos demais em seus próprios problemas. Há um vislumbre de compreensão inconsciente nos olhos deles quando isso acontece. Por um instante percebem que não sou como eles, e talvez até compreendam, em algum nível, o que sou realmente.

"E o que exatamente é você?", alguém poderia perguntar. Sim, eu entendo a dúvida. "Você não conhece Deus, não tem asas, como é que pode dizer que é um anjo?"

É o seguinte, Deus conversa comigo.

Não através de palavras, nem mesmo profecias ou simples imagens, mas através de intenções. Eu simplesmente sei o que Ele quer. E todos os dias me levanto e me coloco à disposição de Seus desejos.

É aí que está a chave.

Quero dizer, ele sempre fala conosco, mas quando se é um de nós você aprende a ouvir. É como se uma porta dentro da gente fosse destrancada e tudo ficasse muito claro. Como um imenso e insolúvel cálculo matemático que subitamente passasse a fazer sentido. E você sabe. Simplesmente, sabe.

Alguns, como eu, nunca chegam a erguer a parede que os separa da aceitação de seus propósitos. Outros vão descobrindo aos poucos, percebendo que não se encaixam, que os propósitos mundanos não os atraem, e um dia param de brigar com a voz que grita dentro deles. Para a maioria é depois da adolescência, quando nossos próprios gritos começam a silenciar. Para uns poucos, mais teimosos, demora um pouco mais.

É aí que eu entro. Minha função é ajudar os outros, humanos ou anjos, quando precisam, a encontrarem a paz necessária para ouvir. Além disso, corrijo pequenos erros nas vidas dos humanos, rupturas aparentemente minúsculas na trama de suas histórias que podem afetar o próprio tecido que forma os destinos da espécie. Não que eu consiga enxergar esse destino. Não. Sou apenas um instrumento, o pincel na mão daquele que pinta o quadro geral das coisas. E assim tem sido por 60 anos.

Uma coisa que me esqueci de dizer é que quando um de nós abraça sua condição para de envelhecer. Ao menos temporariamente, ou para sempre, não sei ao certo. Nunca encontrei ninguém com mais de 150 anos, então não tenho certeza. Sei que posso morrer porque me contaram que aqueles de nós que assim o desejaram foram levados para junto de Deus, depois de cumprirem seu ciclo na Terra.

Ele não deseja que ninguém permaneça na sua missão por mais tempo do que gostaria. E, nesse caso, nosso prêmio, por assim dizer, é saber que logo poderemos rever nossos entes queridos que se foram. Além de simplesmente continuar vivendo, como humanos mortais. Quando essa decisão é tomada, voltamos a envelhecer e estamos, novamente, sujeitos a tudo o que a condição humana implica.

Antes disso, por questões práticas, que aqueles que são como eu crescem e se tornam adultos. Não sei especificamente definir quando parei de envelhecer, mas sei que posso passar por 20 anos, ou 30, conforme a necessidade. O que é bem útil por tudo o que a juventude envolve, mas pareceria bastante esquisito para alguém que chegasse a viver um tempo longo comigo. Por isso não permaneço nos mesmos lugares ou com as mesmas companhias. Exceto, claro, pela minha família próxima. Especificamente, minha mãe, com quem vivi até o fim da vida dela, e aquele a quem tenho como um irmão, meu mentor Alberto.

Meu pai, porém, não viveu o suficiente para perceber qualquer estranheza a meu respeito. Ele morreu quando eu tinha 15 anos. Algum tempo depois, logo quando minha mãe notou que havia algo de diferente comigo, um de nós veio em meu auxílio. Alberto nos ajudou a entender as implicações de quem eu era e como deveríamos cuidar para que ninguém percebesse.

Por isso tivemos que viver sempre assim, cortando relações com nossos amigos e vizinhos, mudando de vida e de casa a cada dez anos, mais ou menos, mudando de identidade uma vez também. Até que ela morreu. Eu tinha 38 anos e mesmo tanto tempo depois ainda não quero falar sobre isso. A ausência de meu pai e minha mãe é um fardo que terei que carregar por quantos anos tiver que viver.

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Olá, sejam bem-vindes!

Caso alguém reconheça, esta história já foi postada na íntegra em outro perfil meu, mas agora está sendo repostada com reformulações e conteúdos hot. Espero que gostem e que me acompanhem aqui. Pretendo fazer duas postagens semanais, provavelmente às quartas e sábados. 

Fico muito feliz por vocês estarem aqui e espero que me ajudem dando um feedback e recomendando a outras pessoas que possam se interessar por ELS, este bebê que eu amo.

Beijos.


Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora